V

10 2 0
                                    

Quando acordo pela terceira vez, o quarto entra em foco muito mais rápido. A névoa que estava ao redor das bordas da minha visão desapareceu, e a dor na minha cabeça se transformou em uma dor surda. Finalmente me sinto como eu mesma, ou pelo menos no controle do meu próprio corpo.

Minha mãe está dormindo, encolhida em um sofá pequeno sob a janela, o céu noturno completamente negro do outro lado do vidro. Meu pai está desmaiado na poltrona reclinável, com suas botas de trabalho pendendo da ponta e tocando o chão.

Eu respiro fundo, lembrando onde estou e por que estou aqui.

Houve um acidente. Eu estava em coma... Fiquei em coma por... duas semanas? DUAS semanas?

Há um rangido na porta e dou um pulo quando vejo uma garota parada logo do lado de fora, no corredor. Seu cabelo preto está meio preso em um rabo de cavalo. Ela está usando chinelos roxos e shorts jeans, mas não aqueles que se compram na loja. Mais como um par antigo de jeans que foi rasgado na coxa.

Por que ela está aqui?

Ela não se move, não se aproxima nem recua. Ela só fica ali, me olhando. Vejo seus olhos brilharem e um sorriso se espalhar pelo seu rosto enquanto seu peito sobe e desce sob as luzes fluorescentes.

"Eu ouvi..." Sua voz treme, mas ainda assim corta o silêncio, o som aleatório do monitor de batimentos cardíacos. Meu pai se mexe e acorda na cadeira com um ronco alto, enquanto ela atravessa o portal da porta, os chinelos arrastando no linóleo.

"Ah, oi," ele diz, olhando de mim para ela, subitamente alerta. O sorriso dela desaparece e vira uma linha reta. "Bem... agora talvez não seja o melhor momento." Ele se senta, empurrando o descanso de pés de volta para o lugar embaixo dele.

Ela não olha para ele, e eu não consigo entender por que, mas também não olho. Nós apenas mantemos o olhar uma na outra enquanto ela dá um passo em direção a mim.

"Ei, me desculpe. Você pode voltar?" meu pai tenta novamente, deslizando para a borda da cadeira reclinável.

Ainda assim, ela não o reconhece. Há algo no jeito em que ela me olha, recusando-se a tirar a atenção de mim, que faz com que eu queira que ela fique.

"Tá tudo bem, pai," eu digo, e ela dá mais alguns passos até ficar de no pé da minha cama. Olho para meu pai, e ele dá uma olhada rápida em minha mãe, que ainda está dormindo profundamente.

"Tá, bem, ah... Deus, de onde eu começo?" Ele pausa, fazendo um gesto para a garota como se fosse um painel de ciências de três partes. Eu olho para as mãos dela, agora apertadas ao pé da cama. "Camila, essa jovem aqui... Ela..." Ele para para limpar a garganta. "Bem, ela te salvou."

Caralho.

Ele continua, "Eu sei que você não lembra muito do que aconteceu, mas você caiu. Caiu de uma grande altura em um desfiladeiro. E ela te ouviu gritar."

Eu caí em um desfiladeiro? O quê?

Enquanto ele explica, ela não desvia o olhar de mim. Nem uma vez. Ela mal pisca. Eu nem acho que ela está ouvindo. Em vez disso, parece que ela quer me dizer outra coisa completamente diferente.

"Eu não sei como ela fez isso..." Ele balança a cabeça em descrença para ela. "Mas ela te tirou de lá. Te carregou por mais de um quilômetro nas costas, pelo mato e até a estrada principal."

O mato? Que mato? Por que diabos eu estaria em algum tipo de mato? E como essa garota me carregaria por tanto tempo? Eu fico tentando organizar meus pensamentos por alguns segundos, mas então percebo a magnitude do que ele está dizendo. Ela é responsável por eu estar viva. Eu não sei o que dizer, mas olho para o rosto dela, vejo seus olhos verdes me encarando, e percebo que preciso dizer algo. "Obrigada," eu falo, com toda a sinceridade que consigo.

Ela acena com a cabeça e se inclina para mim, só um pouquinho, mal o suficiente para notar. Seus olhos vasculham meu rosto como se não pudesse acreditar que eu estou aqui, mas também como se estivesse... procurando por algo.

Eu limpo a garganta e olho para meu pai, que olha para suas mãos cerradas.

"Eu não... Eu não sei o que mais dizer," eu falo com ela, me sentindo um pouco desconfortável. "Desculpa. Qual... Qual é o seu nome?"

Ela dá uma rápida e aguda respirada, suas sobrancelhas se franzindo sobre os olhos arregalados.

"É Lauren. Você não..." Ela tampa a boca com ambas as mãos, soluços silenciosos escapando pelos espaços entre seus dedos. Sua respiração fica tão profunda e pesada que faz o corpo todo dela tremer.

Eu não sei o que fazer. Abro a boca para dizer algo, qualquer coisa, mas antes que eu consiga pensar em alguma coisa, ela vira as costas e desaparece rapidamente pelo corredor.

Ficamos ali, meu pai e eu, os dois observando a porta.

"Isso foi meio que"—eu dou de ombros—"estranho."

"Eu tenho certeza de que foi traumático, encontrá-la assim," ele me diz. "Você sabe, ela tem vindo aqui todos os dias desde que você chegou."

"Ela tem?" Eu olho para ele.

"Camila." Ele se aproxima para sentar na minha cama, o colchão se inclinando sob o peso dele enquanto ele coça a barba por fazer, o que eu raramente vejo. "Que diabos você estava fazendo na casa dos Jauregui?"

"Jauregui, como... A Carne Jauregui?" Eu imagino os galpões enormes e os rebanhos de gado na Rota 58, que vejo todo dia no ônibus a caminho da escola. Mas eu nunca estive lá perto. Certo?

Eu dou de ombros. "Não faço ideia."

"Você deveria estar na cafeteria naquele dia."

"O quê? Que cafeteria?" Eu pergunto, apertando os olhos para ele.

Ele inclina a cabeça e franze a testa. "A que você tem trabalhado em Endover há uns dois anos?"

Um arrepio sobe pela minha espinha enquanto eu dou uma risada confusa. "Pai, eu nunca trabalhei em uma cafeteria. E nunca estive na fazenda dos Jaureguis. E eu... não tenho ideia de quem é aquela garota"

Não se esqueça Onde histórias criam vida. Descubra agora