VI

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"Camila você sofreu uma fratura craniana e hematomas significativos no cérebro." Dra. Reicher segura seu tablet para mim na manhã seguinte.

Ela aponta para uma rachadura no lado esquerdo traseiro da imagem 3D do meu crânio. "Esse tipo de fratura craniana, embora sério, deve continuar a se curar por conta própria com o tempo. No entanto, fizemos uma ventriculostomia, que é uma palavra complicada para dizer que inserimos um cateter temporário no seu crânio para drenar o acúmulo de líquido e aliviar um pouco da pressão no seu cérebro. Você vai encontrar uma incisão bem pequena no seu couro cabeludo, mas os pontos devem cicatrizar em cerca de duas semanas."

Meu estômago se revira enquanto imagino um buraco enorme na minha cabeça e luto contra o impulso de tocar o couro cabeludo, com medo do que eu possa sentir ali.

Ela continua: "Infelizmente, com esses tipos de lesões, às vezes vemos efeitos cognitivos na forma de amnésia retrógrada, que é a perda da capacidade de recordar eventos que aconteceram antes da lesão, como você parece estar experimentando agora. Às vezes, essas memórias podem voltar nos dias ou semanas seguintes à lesão, mas quero que você saiba que também é possível que a perda de memória seja permanente."

O quarto começa a girar, mas eu fecho os olhos por alguns segundos e então forço minha mente a se concentrar na voz dela.

"Normalmente, vemos a perda de memórias mais recentes, de semanas, às vezes até alguns meses atrás. No seu caso, Camila... é muito raro, mas com base no que seus pais reuniram, você parece ter perdido quase... dois anos."

Dois anos.

É tudo o que eu ouço a Dra. Reicher dizer antes que sua voz seja abafada por um zumbido nos meus ouvidos. Eu fico só olhando, observando sua boca se mover em torno de palavras que não consigo entender. A mão da minha mãe está sobre a minha, mas eu não consigo sentir, não de verdade, porque todo o meu corpo ficou dormente.

Não é possível.

Dra. Reicher se agacha na minha frente. Tento forçar minha mente de volta para o quarto. Acho que ela está me perguntando se eu entendi.

Eu balanço a cabeça para cima e para baixo.

Entendi? Não, eu não entendo porra nenhuma, mas farei qualquer coisa para fazer ela parar de dizer coisas que eu não quero ouvir.

Mamãe aperta minha mão até meus dedos ficarem roxos, e papai agradece à doutora antes que ela nos deixe sozinhos no quarto.

Ninguém se move. Ninguém fala.

Há uma pressão crescendo na minha face, me fazendo sentir que minha cabeça vai explodir, o que provavelmente seria a última coisa de que ela precisa agora. Eu preciso sair daqui. Eu sinto isso até os meus ossos, essa necessidade de fugir. Jogo minhas pernas para fora da cama e tento me levantar, mas elas estão fracas demais. Meu corpo desaba sob mim e eu acabo indo para as mãos e joelhos, engatinhando.

Através dos pontos pretos piscando no meu campo de visão, vejo uma porta entreaberta, com luz amarela escapando pela fresta.

O banheiro.

Mãos tocam minhas costas, puxam gentilmente meus ombros, mas eu me sacudo e continuo me movendo até conseguir fechar a porta, deixando meus pais do outro lado.

Me encolho no canto e abraço meus joelhos contra o peito, fechando os olhos.

Lembrar. Lembrar.

Uma cena se forma atrás das minhas pálpebras. Eu estou de pé nas pias do banheiro feminino. Savannah está à minha esquerda. Eu a observo juntar seus cachos vermelhos e grossos em um coque enquanto a água morna enxágua o sabão rosa das minhas mãos. Rory sai correndo da cabine, exigindo que a gente abandone o intervalo para o almoço para que ela possa nos levar ao Taco Bell com sua nova carteira de motorista. Isso não poderia ter sido há dois anos. Foi ontem. Não foi?

Há uma batida na porta que me faz saltar. Meus olhos se abrem rapidamente e, de repente, estou de volta no banheiro do hospital sozinha. "Camila, querida? Sou eu"
A voz da minha mãe vem do outro lado da pesada porta de madeira. "Podemos entrar?"

"Não" respondo, minha voz tremendo. Eu seguro a respiração e estendo a mão para procurar uma evidência tangível de que tudo isso é real. Passo a mão no meu cabelo até meus dedos tocarem algo curto e espinhoso. Eu passo os dedos suavemente sobre uma linha de pontos, com cerca de cinco centímetros de comprimento, a área ao redor completamente raspada até a pele. A bílis sobe pela minha garganta.

"Seu pai e eu vamos entrar," minha mãe diz com firmeza enquanto eu respiro profundamente, meu cérebro doendo por oxigênio fresco. Fecho os olhos ao ouvir a porta se abrir.

Memórias não simplesmente desaparecem. Dois anos não podem simplesmente sumir.

Talvez se eu apenas tomar um segundo, se eu conseguir realmente me concentrar, eu tenho certeza de que... eu vou lembrar de tudo. Vou acordar desse pesadelo e conseguir preencher esse buraco gigante e vazio em—

"Não me toque!" Bato a mão do meu pai de cima do meu ombro.

"Estou só tentando ajudar." Ele se recua, ficando sobre os calcanhares. "Não fique brava comigo."

"EU NÃO ESTOU BRAVA COM VOCÊ!" Eu grito, olhando para cima só o suficiente para ver meu pai de um metro e noventa encolher-se até se tornar nada. O cara que sempre quis me proteger. Eu não acho que já tenha gritado com ele na vida, pelo menos não na vida que consigo lembrar, e imediatamente me arrependo. Pressiono minhas mãos contra a testa e forço duas respirações dentro e fora dos meus pulmões antes de tentar falar novamente. "Eu estou com medo," eu digo quase em um sussurro, olhando para os dois, minha visão turva. "Eu estou com medo."

Eu puxo meus joelhos ainda mais para o peito, tentando me manter junta, mas, em vez disso, eu apenas desabo, as lágrimas caindo incontroláveis enquanto a pressão se solta.

"Eu... eu tenho quinze anos, mas vocês estão dizendo que eu acabei de fazer dezoito." Eu mantenho os olhos fixos no chão. "Eu não entendo como todo esse tempo simplesmente... sumiu. Eu não vivi ele. Eu não..." Eu passo as mãos pelo rosto, mas as lágrimas não param de cair. Minha mãe trava o olhar comigo enquanto se agacha no chão entre meu pai e eu.

"Querida," ela sussurra, colocando as mãos firmemente ao redor dos meus antebraços, sem se importar nem um pouco de que estão cobertos de meleca.

"Eu não sei quem eu devo ser." O último ano e a formatura do ensino médio. O baile de formatura. Futebol universitário e inscrições para a faculdade. Todas as coisas que Savannah, Rory e eu sempre sonhamos. Eu simplesmente as perdi? "Eu não lembro de ter crescido, mas vocês estão dizendo que eu cresci. Esperam que eu seja adulta agora, mas..."

Sem hesitar, minha mãe rasteja para o pequeno espaço ao meu lado, me pegando no colo e passando o polegar na minha bochecha em um movimento rítmico, como sempre fez quando estou chateada. Nós ficamos assim por um longo tempo, até que eu consiga respirar de novo, até que as lágrimas sequem.

"Ei, a gente não espera nada, tá?" ela finalmente responde. "Eu não sei o que vai acontecer, mas seu pai e eu, a gente te conhece melhor do que ninguém. E estamos aqui para te ajudar a entender tudo isso."Ela se inclina e enterra o rosto na minha bochecha, seu cabelo castanho escuro criando uma barreira segura entre mim e o resto do mundo. "Estamos aqui."

Eu estendo a mão e pego a mão do meu pai, sentindo as calosidades dele, ásperas, mas familiares contra a minha pele. Eu me lembro de que minha mãe está certa. Eles me conhecem melhor do que ninguém e estão aqui.

Finalmente, parece que talvez... possivelmente... o mundo possa eventualmente fazer sentido de novo.

Mesmo que seja só por este momento.

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