Quando o tio de Davi faleceu, ele afundou ainda mais nas drogas. Duplicou a frequência com a qual utilizava. Fez de tudo para evitar a dor que sentia, afinal ainda tentava superar o fato de não ver mais Emily. Nunca imaginou que sentiria uma dor táo profunda.
No dia que pensou em largar a escola, Brenda apareceu do seu lado como se tivesse caído de paraquedas, perto do grande carvalho no jardim. Ela não se incomodou com a fumaça de seu cigarro, mas também não aceitou fumar com ele.
A princípio, ele tentou afastá-la como se fosse uma mosca irritante, zumbindo no pé de seu ouvido. Mas a menina o perseguia pela escola, não importava onde ele tentasse se esconder.
- Olha só, esse lance de forçar amizade pode ter funcionado com a Victória, mas não funciona comigo, beleza? - ele resmungou, numa dessas vezes. - Me deixa em paz, menina.
Brenda cruzou os braços.
- Eu mesma não. Não vai se livrar de mim tão fácil, consigo ser um pé no saco quando quero. Pode perguntar pra qualquer um por aí. - E de repente, sorriu. - E aí? O que vamos fazer hoje depois da escola?
Ele revirou os olhos. Só queria chegar em casa, chorar até desidratar e dormir até morrer. Não contou a ninguém sobre a morte do tio. Sequer apareceu ao velório. Começou a vender algumas coisas de casa para sustentar o vício nas drogas, já que nenhuma empresa que ele mandou currículo entrou em contato com ele.
Era certo que Davi odiava a perseguição de Brenda, mas de alguma forma, era isso que o motivava a continuar na escola, durante um tempo. O problema era quando voltava para casa. Encarava sua solidão e seus sentimentos viravam monstros prontos para devorá-lo. Às vezes, acordava pensando em suicídio. Mas também, quase sempre ia dormir lembrando das conversas que teve com Emily, sobre Jesus. O que mais lhe perturbava a mente era aquela oração que ele nem deveria ter ouvido. Nunca encontrou explicação para o fato de seu fone de ouvido ter falhado naquele dia.
Como se não bastasse, também sentia raiva da menina. Arrependeu-se de tê-la conhecido tantas vezes que não conseguia contar. Nenhuma garota fora capaz de bagunçar sua mente de um jeito tão profundo quanto ela. Emily o incentivara a ser melhor, costumava ser divertida, boba e alegre. Um alegria que, por muito tempo, ele tentou sugar para si. Não conseguia entender como Jesus era o suficiente para deixar uma pessoa daquele jeito.
Por vezes, o menino se atordoava na hora de dormir e perdia o sono. Por isso, saía de casa, caía na noite e se inundava em drogas. Queria a mente vazia e qualquer migalha de felicidade momentânea que a maconha pudesse proporcionar. O problema foi que... uma hora, a dor da solidão e de ter perdido pessoas importantes na vida começou a ser maior do que a alegria proporcionada pelas drogas. Quando isso começou a acontecer, o menino largou a escola. Porém, Brenda ia perturbá-lo sempre em casa e o convidava para sua própria casa.
Davi esteve na casa da menina poucas vezes e quando Eric não estava, para evitar confusão. Então, Brenda ficava inventando jogos e eles brincavam com cartas o dia todo. Mas até isso durou pouco tempo.
Conforme os dias se arrastavam, mais forte ficava a ideia de suicídio na mente perturbada do rapaz. Numa manhã chuvosa de domingo, já acordou na certeza do que faria. Saiu de casa às pressas, determinado a comprar uma corda para se enforcar no primeiro depósito que encontrasse. No meio do caminho, encontrou um cigarro de maconha perdido em sua blusa e começou a fumar enquanto andava.
A chuva não era forte o bastante para apagar aquele cigarro. Seus pensamentos iam longe, cheios de estratégias sobre como daria fim a si mesmo.
No entanto, começou a ouvir uma voz suave cantando ao longe: Trouxeste-me ao fim de mim mesmo, e quanto tempo isso levou? De alguma forma, espantou-se, porque era como se a voz conversasse com seus pensamentos nebulosos.
Davi percebeu que conforme andava, mais audível a voz ficava. Porém, ele não conseguiu desviar a rota. Caminhou na direção dela mesmo.
E as mentiras que ouvi se esvaem quando eu me entrego a ti, ouviu depois. A frase fez os pêlos de seus braços arrepiarem.
Para ti eu vou...
Foi nesse exato momento que Davi parou de andar. Viu-se na frente de uma igreja e olhou na direção do altar, de onde vinha aquela voz tão suave e bonita. Uma mulher cantava, os braços abertos, olhos fechados. Sua entrega parecia tão verdadeira que Davi não conseguiu tirar os olhos de lá. Sequer percebeu quando seu corpo se virou para a igreja.
Teu amor me envolve, não há medo em teu amor.
Ele nunca ouviu palavras mais doces e intensas, como mel adentrando em suas veias. Ficou de boca aberta e começou a ofegar.
De repente, sua mente voltou a se inundar com lembranças de Emily falando sobre Jesus. Quase conseguia vê-la ali, com o brilho no olhar.
O teu amor me diz quem sou, não há barreiras.
A voz o arrepiou de novo. E não há nada que possa nos separar. Ele piscou e duas lágrimas caíram de seus olhos. Os dedos fraquejaram e o cigarro escorregou de sua mão, apagando-se no chão da calçada.
Eu quero viver, pensou ele consigo mesmo, surpreendendo-se. Eu quero o que eu vi na Emily e o que vejo nessas pessoas. Pegou-se desejoso de coisas que nunca quis antes e não entendia o motivo. Seu peito se apertava e as lágrimas não paravam de cair. Chorava como criança.
Como eu faço?, pensava o menino. Preciso tanto de ajuda.
A cantora não parava de repetir: Para ti eu vou...
Jesus, seja meu mestre também, disse em pensamento, lembrando-se da oração de Emily de novo. Não esperava respostas, pois olhava para si mesmo e não via nada de bom, nada que pudesse ser salvo. Foi por isso que Davi quase se desmanchou em lágrimas quando uma voz quase audível e suave lhe respondeu em seu coração: Então, vem.
Foi assim que as pernas trêmulas do garoto se moveram na direção daquela igreja e ele encontrou algo que não sabia precisar: salvação.
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A Vilã
Fiksi RemajaVictória tinha tudo o que uma garota poderia querer: uma péssima relação com a mãe, uma péssima reputação na escola, um amor platônico por alguém que nunca olharia para ela, uma melhor amiga que sempre a colocava para baixo e um monte de traumas. Ou...