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Alice acordou com o coração disparado, os olhos arregalados, tentando focar na escuridão do quarto. Estava suando, ofegante, como se tivesse revivido cada segundo de um dos dias mais sombrios de sua vida. Naquele pesadelo, a cena do acidente de carro dos seus pais voltara a assombrá-la, tão vívida quanto quando ela tinha sete anos. O som das sirenes, o cheiro de gasolina, o pânico no olhar das pessoas ao redor… tudo parecia real.

Ela permaneceu imóvel na cama por alguns minutos, tentando se convencer de que tudo havia sido apenas um sonho. Mas a dor no peito era inegável. Respirou fundo, tentando organizar os pensamentos e apagar a lembrança daquela noite. Entretanto, a dor insistia em ficar, como um fantasma do qual ela jamais conseguia escapar.

No sonho, Alice se via novamente no banco de trás do carro, com sete anos, os pés mal alcançando o chão. A mãe estava ao seu lado, sorrindo enquanto ajeitava seu cinto de segurança. O pai, ao volante, olhava pelo retrovisor e piscava para ela, dizendo que chegariam logo ao parque onde planejavam passar o dia. Era uma cena comum, uma lembrança de dias felizes, mas no fundo Alice sabia o que estava para acontecer. A felicidade e o calor familiar daquele momento faziam o frio na barriga aumentar, pois ela sabia que aquilo terminaria.

De repente, a visão da estrada se tornou turva. O som de uma buzina ensurdecedora preencheu o carro. Tudo começou a girar, e Alice sentiu seu corpo sacudido pelo impacto. Ela ouviu os gritos dos pais se misturando ao som de vidro quebrando, metal amassando e sirenes distantes. Em meio à escuridão, ela tentou desesperadamente chamar pelos pais, mas a voz não saía.

A cena se repetia como um ciclo interminável, um eco dos últimos momentos de sua família que sempre a acompanhava. Ela via as silhuetas dos pais se desfazendo, como se fossem feitos de fumaça. Tentava agarrá-los, mas suas mãos passavam pelo vazio. Finalmente, sozinha e imóvel, Alice ficou ali, cercada por fragmentos de vidro e metal, sentindo a dor avassaladora da perda.

Quando despertou, foi como se ainda estivesse lá, naquele carro, incapaz de salvar os pais, incapaz de voltar no tempo.

Ela ficou deitada por alguns minutos, tentando se acalmar, mas o peso daquela dor não desapareceu. Era como se ela estivesse revivendo a perda, como se o passado jamais tivesse ido embora.

No caminho para a faculdade, Alice estava mais calada do que o habitual. A cidade parecia seguir seu curso normal, indiferente ao turbilhão de emoções que ela carregava por dentro. Quando chegou à sala de aula, escolheu a última fileira e se encolheu na cadeira, mantendo-se afastada dos colegas. Tentou prestar atenção nas aulas, mas as palavras dos professores soavam distantes, perdendo-se em meio ao emaranhado de lembranças e sentimentos que ainda pesavam sobre ela.

Durante o intervalo, Alice optou por caminhar pelos corredores menos movimentados, evitando o burburinho da cafeteria e das conversas. Sentia-se emocionalmente exausta e não queria que ninguém a visse naquele estado.

Na hora do almoço, sua amiga Luisa percebeu o comportamento retraído de Alice e insistiu para que as duas se sentassem juntas. Alice pegou um chá, mas apenas o segurou nas mãos, sem realmente beber. Luisa, sempre sensível ao humor da amiga, notou o olhar distante e perguntou com cuidado:

"Ali, você tá bem? Parece que tem algo te incomodando... Se precisar conversar, eu tô aqui."

Alice respirou fundo e esboçou um sorriso fraco, mas o olhar continuava vazio. “Eu… acho que só preciso me distrair um pouco, Lu.”

Luisa assentiu, respeitando o espaço de Alice. Para aliviar a tensão, começou a falar sobre as apresentações de literatura que teriam na próxima semana, fazendo piadas sobre as confusões da turma com os temas e arrancando um sorriso discreto da amiga. Sabia que Alice não gostava de falar sobre o passado, mas aquela conversa leve parecia ser o suficiente para trazer um mínimo de alívio.

me ensina a amarOnde histórias criam vida. Descubra agora