poses, anyway!

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     A verdade não é um instrumento de libertação. Tão somente, a verdade é uma porção

racional de águas turvas que se choca, de forma permanente e sistemática, contra os rochedos

subjetivos da mentira. Do outro lado, estamos nós, sôfregos em barricada, tentando proteger

alguma água cristalina que circunda nosso umbigo.

     A verdade não liberta. Ela apenas modifica nossas relações com os outros e com o mundo.

Em geral, ela é triste e fria. Desdoura ilusões e macula os afetos. Quando a verdade vence, o

que distingue as pessoas não é o fato de tê-la desejado. Para o bem ou para o mal, a diferença

se estabelece pela habilidade com que passamos a viver em meio às águas turbulentas.

     O fim de janeiro de 2010 foi marcado pelo frio intenso. Um inverno rigoroso se abateu

sobre Massachusetts. Tempestades com neve, granizo e ventos fortes atingiram todo o estado.

Uma espessa cortina branca cobriu os campos e as sucessivas nevascas colocaram cinquenta

centímetros de gelo nas ruas. Aeroportos e estradas foram fechados. As condições climáticas

foram severas.

     Dez dias após muitas verdades serem descortinadas, o silêncio parecia imperativo a toda a

família Thompson. Um tempo frio de digestão dos acontecimentos. Justin tinha reunido seus

pais e seus irmãos para abrirem, juntos, a Caixa de Pandora com as verdades sobre Matthew e

Sybille. Defendeu Gabriel, sem que este soubesse, por ter ocultado aquilo que sabia e acabou

conquistando uma compreensão forçada de todos. Exigiu que Edward e Ethan contassem suas

versões da verdade. Não era fácil encarar a dimensão dos fatos e quanto tudo aquilo mudaria

suas vidas. Mas era necessário.

     O perdão para Edward nunca viria. Ele sabia disso. Muito além de manchar a fidelidade do

casamento e a lealdade das relações familiares, ele tinha abandonado aquela mulher na

Europa, grávida e desprotegida. Mais que isso: tentou comprar deliberadamente seu silêncio

e, depois, entregou mãe e filho à própria sorte. O fato de Sybille estar morta inumou qualquer

possibilidade de contraponto e para a assunção do argumento havia um espaço considerável

entre aquilo que cada um tentava acreditar em seu íntimo e aquilo que passou a constar do

saber familiar.

     Catherine, por sua vez, optou por um silêncio estratégico. Temporalizar quando e como

ficou sabendo de tudo, não a ajudaria sob nenhum aspecto. Pelo contrário, faria dela uma

espécie de cúmplice. O que protege o carrasco não é o fio da navalha, mas a máscara

silenciosa que esconde seu rosto. Não por acaso Cathy defendeu abertamente Gabriel por seu

ato silencioso. Para Edward destinou apenas um olhar seco, misto de decepção e reprovação.

Águas TurvasOnde histórias criam vida. Descubra agora