submersos

430 18 3
                                    

     Cada alma, em seu universo isolado, busca refúgio estabelecendo algum distanciamento da

realidade imposta. Talvez essa seja a melhor definição para o comportamento de toda a

família Thompson nos meses seguintes ao casamento de Justin e Gabriel.

     O casal e seu filho Matthew se entocaram na casa do Pine Hill e estavam vivendo aquele

momento fundamental de descoberta das relações. Não havia espaço para os problemas

familiares. Apesar de todo o passado catastrófico, o garoto passou bem por seu primeiro ano

na Wachusett Regional High School. Suas notas finais foram excelentes, fez amigos e, ainda

que com o sotaque europeu carregado, parecia um distinto cidadão de Holden desde o

nascimento. Continuava a ter aulas de violão e desde a leitura do diário deixado por sua mãe,

escrever passou a ser sua obsessão. Escrevia muito, sempre. Escrevia sobre tudo.

     Gabriel concluiu sua especialização em Cardiologia e foi imediatamente contratado pelo

UMass. Acalentava o desejo de ter seu próprio consultório, mas o volume de trabalho parecia

ter triplicado desde que sua amiga, e agora ex-tutora, Nancy Taylor assumira a direção da

Clínica do Coração do hospital. Eles pretendiam implantar um novo modelo de gestão, mais

humano, e isso demandava esforço e dedicação quase exclusivos. Mas o médico também

aprendeu a valorizar o tempo de folga de sua atividade profissional. Agora tinha um marido,

um filho e uma casa enorme que precisavam dele tanto quanto os pacientes infartados. Agora

tinha uma família de verdade.

     O declínio da economia americana teve efeitos reais sobre a ETS, e Justin passou o restante

dos meses de 2010 tentando conter a queda vertiginosa na venda de automóveis. Além disso,

seguiu observando de perto as atividades suspeitas de Ethan e John nas filiais. Ao lado da

assessora Emma, plantou armadilhas, colocando sob a responsabilidade do irmão e do tio as

concessionárias com maior prejuízo no primeiro semestre. Mas não poderia fazer qualquer

suposição ou acusação sem ter provas factuais das fraudes. E para isso precisava de tempo e

análise. As ratoeiras já estavam armadas e agora era uma questão de ter paciência.

     Se Pine Hill era a residência de uma família em construção, a casa dos Thompson na Tanya

Drive caminhava em sentido oposto, desconstruindo-se. Edward fingia estar pleno e feliz, mas

essa versão era contrariada pelo aumento exponencial no consumo de uísque. Passava dias

enfurnado no escritório, em uma espécie de depressão, sentado na cadeira e aguardando algum

salto no ponteiro dos relógios da vida. Se alguém entrava, ele punha-se à farsa de estar lendo

relatórios, enviando e-mails ou até lendo os jornais. A verdade é que sua vida estava se

resumindo a um copo na mão.

Águas TurvasOnde histórias criam vida. Descubra agora