União talvez seja a palavra mais delicada no vocabulário do mundo. Ela pressupõe o maior
dos paradoxos que o ser humano foi capaz de criar. Se por um lado, unir é mais que uma
tendência, é um instinto de sobrevivência, um sedimento social; por outro, ela é a prova
inconteste de todas as nossas diferenças. União, por suas vastíssimas definições objetivas e
subjetivas, exclui qualquer possibilidade de solidão, mas não implica a perda da
individualidade.
Ao longo da história da humanidade, guerras são constantemente travadas em nome de uma
abstração chamada paz. Mas nem as guerras, nem as pazes, fazem supor qualquer espírito de
deferência ao indivíduo como um todo. Guerra e paz são instrumentos evasivos, e invasivos,
de busca por uma uniformidade.
Não por acaso, a Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865, constitui página expressiva da
história. A secessão das colônias do Sul e do Norte promoveu episódios jamais vistos,
inspiração para milhares de livros, artigos e estudos, além de influência direta na política, na
arte e na cultura. Em seu saldo, quase um milhão de cidadãos mortos, dos quais seiscentos e
dezoito mil eram soldados. Esse jogo patriótico de guerra e paz constituiu a alma americana, o
insuperável espírito de aliança de uma das mais plenas democracias do planeta.
Os seixos rolados que se chocam e se harmonizam nas águas profundas de cada cidadão são
os eixos de existência dos Estados Unidos da América.
A trombeta fúnebre ecoou pelo Cemitério Grove anunciando o toque de silêncio. Hasteada a
meio mastro, a bandeira norte-americana tremulava ao vento da primavera. Naquela segunda-
feira, dia 30 de maio de 2011, outras trezentas e cinquenta e seis pequenas bandeiras foram
cravadas no extenso gramado verde do Grove para homenagear igual número de veteranos de
guerra ali sepultados. Era o primeiro ato daquele feriado nacional, quando a tradicional
Holden Memorial Day Parade celebraria os cento e cinquenta anos do início da Guerra Civil
Americana.
Milimetricamente alinhada e em continência, a 25ª Infantaria de Massachusetts, vestida de
azul num forte símbolo da União, aguardou o fim do minuto de silêncio para dar início à salva
de vinte e um tiros. À sua frente, quatro soldados conduziam, cerimoniosos, a grande bandeira
da unidade. Aquela pequena cidade, nas colinas do Condado de Worcester, sempre se
preocupou com o espírito e os valores americanos, realizando anualmente aquela parada em
nome do patriotismo de seus cidadãos.
Não foi fácil, mas os membros do Holden Hills Country Club e da Holden Historical
Society fizeram o pedido formal e conseguiram que o Comitê Organizador do Memorial
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Águas Turvas
RomanceL I V R O C O M P L E T O ! Autor: Helder Caldeira Disponível também em versão fixa. À venda nas principais livrarias do Brasil. O jovem médico brasileiro Gabriel Campos decide fazer especialização em Worcester, Massachusetts, depois da morte do...