ampulheta

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     Honestamente? Nunca pensei que voltaríamos a sentar à mesa em família novamente. Passei

longas noites insone pensando se seríamos capazes de superar aqueles tempos. De alguma

forma, superamos.

     Na manhã do dia seguinte, a casa do Pine Hill estava linda. O sol brilhava, nos aquecendo à

margem do lago, emoldurados pela floresta ao longe e o jardim florido ao redor da nossa casa

de pedras. Como todos seguiriam seus rumos no final da manhã, decidimos ficar juntos no

velho deque, em uma espécie de café da manhã, meio piquenique.

     Como nos tempos de criança, tio Ethan jogou Daddy J nas águas do lago e pulou em seguida.

Depois de um breve silêncio, Catherine e tia Nicole também pularam. Thomas mergulhou de

cabeça! Tio Ethan veio à beirada do deque e desceu tia Helen com cuidado, pois minha prima

Elizabeth, ainda que estivesse confortavelmente instalada naquele barrigão, também merecia

conhecer nossas águas. Até tia Mildred e tio John se jogaram! Meu pai, Gabriel, me olhou e

estendeu a mão. Alcancei-a e pulamos juntos.

     Ficamos ali, mergulhados, jogando água uns nos outros... Jogando água pra cima, feito fogos

de artifício... Águas de artifício! Foi a melhor forma que encontramos para celebrar aquele

momento. É provável que isso acabe se tornando uma regra, como nos tempos de criança.

Talvez aquilo fosse um ato final de limpeza. Ou o ato inicial de felicidade.

     Na ampulheta do tempo a verdade parece simples. Mas a história nunca é. Eu poderia dizer

que essa é apenas uma história sobre um lago onde pedras foram atiradas e extraídas pelas

intempéries da vida, provocando ciclos de ondas turbulentas que logo retroagem à calmaria.

Porque o tempo é dinâmico. O tempo escorre rápido demais.

     Fosse a história simples assim, sequer existiria a ampulheta. Quiçá as muitas verdades

sobre as nossas águas turvas. Não. A história não é tão simples. Uma vez as pedras retiradas

ou atiradas na água, até o tempo será subjugado. O lago nunca mais será o mesmo. Ele terá

sido modificado... para sempre.

     Mas não tenha medo. Mergulhe.


Esta obra é especialmente dedicada à memória de Maria Angélica Costa (1966-2011) e Maurício Álvares de Oliveira (1958-1999)


Dois grandes seres humanos, seixos rolados fundamentais em minha vida, e que foram retirados das águas cedo demais...

E tudo é amor e uma imensa saudade.

Águas TurvasOnde histórias criam vida. Descubra agora