caminhos de pedras

448 23 7
                                    


   O Hummer H2 Silver Ice atravessou a Pleasant Street, em Worcester, estacionando bem em frente ao número  1094. Justin entrou na Bloomer 's. De lá,  saiu com um ramalhete de tulipas vermelhas,  cuidadosamente  dispostas  em  um  delicado  vaso  de  cristal  transparente.  Tinha ligado para o  florista naquela manhã  e  encomendado o arranjo. "Quero  as tulipas vermelhas mais bonitas e seu melhor vaso" foi a recomendação expressa. Elas já estavam prontas quando ele chegou e valeram cada cent dos sessenta e cinco dólares pagos pelo mimo. 

    Justin  acomodou o presente no banco do carona  e  alcançou  a bolsa onde  estavam os  CDS comprados  no  dia  anterior.  Era  o  momento  ideal  para  ouvir Swallow   the  Sea,  de  Matthew Perryman  Jones.  Partiu  ao  mesmo  tempo  que  começava  a  tocar  "Out  of  the  Shadows". Aumentou o volume. 

    Havia muitos anos não se apaixonava tão perdidamente por alguém. Nem se lembrava mais quando foi capaz de amar outra pessoa naquela intensidade. "Provavelmente nunca", concluiu em  pensamento  enquanto  ouvia  a  música  e  seguia  em  direção  a  Holden  pela  estrada  dos reservatórios.  Quantas  toneladas  de  terra  Gabriel  escavou  para  desenterrar  aquele  coração refém do medo primaz de sofrer. Sentia-se saindo das sombras e podia sentir cada raio de sol que furava o bloqueio das árvores ao longo da subida. 

    Já na Reservoir Street, assim que passou pelo cruzamento com a South Road e fez a curva à direita,  seguindo na direção do reservatório de Holden, percebeu  dezenas  de  seixos rolados escuros  enfileirados  ao  longo  da  estrada,  como  um  mapa  indicando  o  caminho. Avistou  ao final   daquela    reta   um    veículo    estacionado,      com    a   sinalização    ligada.    Reconheceu imediatamente  Gabriel,  de  camisa  vermelha  e  calça jeans,  em  pé  sob  a  mureta  da  pequena ponte. Estacionou  seu  carro  cerca  de  cem metros  antes. Por mais  que respirasse  fundo,  o  ar parecia não ser suficiente. 

   Justin tirou com cuidado o ramalhete de tulipas do vaso, desceu do Hummer e  seguiu pelo caminho de pedras lisas, recolhendo uma a uma. A trilha, propositalmente, o levava a Gabriel. Subiu na mureta, abriu os braços e inclinou levemente cabeça. Não era necessário dizer nada. Tinha  em  mãos  um  punhado  de  tulipas  vermelhas  e  um  vaso  de  cristal  repleto  de  seixos rolados. 

    Gabriel  veio  em  sua  direção,  com  um  longo  e  acolhedor  sorriso  aberto.  Assim  como aconteceu no Logan Airport e na entrada do Val's Restaurant, estavam de novo frente a frente, olhos nos olhos. Respiravam fundo e em sintonia. Mas, ao contrário das outras ocasiões, esse não  foi  um  momento  desenhado  pelo  destino.  Foi  milimetricamente  elaborado,  pensado, calculado  a  cada  pedra  que  era  colocada  em  linha  na  Reservoir  Street.  Tinham  um  imenso lago a lhes servir de moldura e uma brisa fria descendo a colina para equilibrar a temperatura quente de seus corpos naquele instante. 

   Realmente não era necessário dizer nada. Em momentos, quando as palavras faltam ou são dispensáveis, o império do silêncio é um impulso às ações que clamam. Como que imanados, Justin e Gabriel foram se aproximando cada vez mais, até que os lábios se tocaram e os olhos se  fecharam.  Lábios  úmidos,  feito  seixos  molhados;  saliva  doce,  feito  seiva  de  tulipas.  O sentimento era de que nada mais os separaria pelo resto da vida. 

   

   — Não consigo acreditar que você não esteja preocupada, Cathy — disse Mildred, sentada em um dos cantos do grande sofá em couro branco da sala de estar dos Thompson. — Nicole não  deveria  ter  voltado  ontem  da  Inglaterra?  Eu  vim  até  aqui  para  lhe  dar  boas-vindas  e quando  chego,  onde  ela  está?  Nem  vocês  sabem...  —  refestelou-se  por  entre  as  diversas almofadas. 

Águas TurvasOnde histórias criam vida. Descubra agora