Capítulo 8

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Capítulo 8; Fá-lo ouvir

- Acorda, Jay. Tens que ir para a escola.

Acordar com a minha mãe sempre fui uma experiência traumática. Ela tirava-me os cobertores de repente, fazendo-me ficar ao frio até desistir de congelar e levantar-me. Mas, naquele dia, ela abanou, simplesmente, o meu corpo, como quando eu era uma criança que dormia. Com esse pensamento, abri os olhos de repente, que horas seriam? Ela sorriu-me abertamente, como se tivesse uma espécie de surpresa para mim, ou algo do género, e eu olhei para o relógio. Eram sete. Isso pareceu-me irrelevante durante uns segundos, até eu perceber que a última vez que tinha visto as horas tinha sido antes de adormecer e que, nessa altura, era meia noite. Eu tinha dormido durante sete horas.

- Eu...eu adormeci?

- Sim! – Exclamou, mais entusiasmada que eu. Bem, era normal, tendo em conta que eu tinha acabado de acordar. – Pouco depois da meia noite...está bem, devia ser uma da manhã, ou assim, eu vim aqui ver se precisavas de outro chá e tu estavas a dormir! A dormir. Acordaste durante a noite? – Abanei a cabeça, e isso foi sinal suficiente para ela me atacar com um abraço.

Caímos na cama, e eu tive que rir com a sua atitude. A minha mãe era a melhor pessoa que eu alguma vez poderia pedir para ter ao meu lado – era a melhor mãe, simplesmente. Ter dormido durante todas aquelas horas colocou-me num ótimo humor, e eu tentei relembrar-me do que fizera antes de adormecer. Bebi o chá que a minha mãe me fizera, tomei dois dos antidepressivos e lembro-me, vagamente, de rir quando pensei na Lucinda. Lucinda. Eu não sabia o que aquela rapariga me estava a fazer, mas parecia fazer a minha mãe feliz e, consequentemente, eu estava feliz.

Não conseguia arranjar uma solução lógica para o facto de a Lucinda me estar a ajudar a adormecer – não era como se ela me estivesse a colocar sobre mais horas de aulas ou obrigar a correr duas maratonas, para me cansar. Mas, o que quer que fosse, fazia-me dormir. Enquanto tentava adormecer, normalmente só pensava na minha vida e em todas as merdas que fazia, diariamente. Com a Lucinda na minha vida, não pareciam haver muitos desastres para eu pensar – tudo estava ocupado pelos seus olhos azuis ou pelos cabelos vermelhos. O que quer que fosse que me mantinha acordado, tinha desaparecido por uns dias, e era a melhor sensação de sempre.

- Porque achas que voltaste a dormir? – Perguntou a minha mãe, ao colocar as minhas panquecas preferidas à minha frente. – Eu li num site qualquer que uma melhor relação influencia o nosso sono. Não percebi bem o que aquilo queria dizer, acho que tinha a ver com o stresse e tudo mais, mas...há alguém na tua vida?

- Na minha? Só tu, mãe. – Sorri-lhe, e ela revirou os olhos. A verdade era que, até à Lucinda, aquilo não era brincadeira. Era verdade, mas não era como se eu precisasse de outra pessoa.

- Estou a falar a sério. Conheceste alguém? – Ponderei se haveria de lhe responder e, quando percebi que sim, suspirei. – Como se chama? É bonita? Quantos anos tem? Está em alguma das tuas aulas? Como se conheceram? Jasper, responde-me, sou tua mãe!

- Se me deixasses falar. – Afirmei, colocando um pedaço de panqueca na minha boca. – Chama-se Lucinda, mãe. Ela é... - Coloquei a minha cabeça nas mãos, puxando os meus cabelos. – Ela é linda, sendo sincero. Acho que tem a minha idade? Talvez, nunca lhe perguntei isso. Está na minha aula de Geografia e de Filosofia. Ela começou a falar comigo, e eu não a ignorei. Mais alguma coisa?

- Tu não...a ignoraste?

Eu percebia o porquê de ela estar chocada. Desde pequeno que eu nunca fora, exatamente, social. Aliás, desde que o meu pai nos deixara que eu pensava que toda a gente iria fazer o mesmo – menos a minha mãe. Cheguei à conclusão de que a minha mãe era o único constante na minha vida e que, para além dos meus brinquedos e dos meus álbuns, não precisaria de muito mais, para ser feliz. Quando comecei a não conseguir dormir, com pouco mais de doze anos, a minha mãe levou-me a um terapeuta, com medo que fosse algo pior. Lá, o psicólogo disse-me que seria bom arranjar amigos, mas logo percebeu que, com a minha atitude, seria praticamente impossível.

Durante os anos, a minha mãe acabou por perceber que eu era uma pessoa bastante simples, e deixou de me pressionar a fazer amigos. Eu conseguia ver que ela gostaria que eu trouxesse pessoas a casa, ou que me tornasse mais acessível, mas não era como se eu o conseguisse fazer. Quando tinha que fazer trabalhos de grupo, as pessoas nunca gostavam, exatamente, das mesmas coisas que eu – não gostavam de mim -, e limitavam-se a tolerar-me enquanto tinham que o fazer. Preferia estar sozinho, com a minha música, (e as minhas insónias), a fingir gostar de alguém – mais ou menos como a Lucinda faz com o seu grupo de "amigos".

- Ela não me deixa que eu a ignore. Acredita, eu sou rude e, basicamente, insensível, mas ela não se afasta! – A minha mãe riu, bebendo um pouco do seu café.

- Gosto dessa rapariga. – Piscou-me o olho e eu limitei-me a sorrir. Eu sabia que, se a minha mãe conhecesse a Lucinda, iria gostar dela. – Bem, agora vai para a escola. Vá, rápido, não queremos que chegues atrasado.

Revirei os olhos, mas assenti. Beijei, suavemente, a sua testa e parti para o meu carro. Conduzir para a escola era como uma maneira que eu usava para relaxar, antes de todo o stresse que as aulas colocavam sobre os meus ombros. Ter dormido como uma pessoa normal estava a fazer-me sentir como uma pessoa normal – algo que eu já não sentia há muitos, muitos anos. Então, quando cheguei à escola, a mascar uma pastilha de mentol, (eram sempre de mentol), e vi a Lucinda ao longe, a olhar para mim, não contive o sorriso. Percebi que ela ficou chocada, por segundos, antes de dizer qualquer coisa aos seus amigos e aproximar-se de mim, que já tinha saído do carro.

- Bom dia. – Sorriu-me, com um brilho especial nos olhos.

- Bom dia, Lucinda. – Ela revirou os olhos para o seu nome inteiro, mas eu até gostava de o dizer. Lucinda parecia-me tão bonito, adequava-se a ela.

Quis bater em mim mesmo, por aquele pensamento. Eu era um rapaz, não era suposto eu notar tanto na sua beleza. Deveria apreciá-la, claro, mas não devia compará-la a um anjo, como estava constantemente a fazer, na minha mente. A Lucinda era demasiado bonita para mim – ou, demasiado boa, no geral, para mim -, e essa era uma das maiores razões, pelas quais eu não sabia porque ela falava comigo. Não me preocupei em afastá-la, no entanto. Aliás, fiz exatamente o contrário. Dei um passo em frente e, quando ela não se afastou, percebi que ela confiava em mim. Ela não tinha medo que eu a magoasse, quer com palavras, quer fisicamente.

- Sete horas. – Afirmei apenas, não contendo a felicidade que aquele pequeno facto me fornecia. Ela olhou-me confusa; a sua alegria quebrou por segundos. – Dormi sete horas.

- Sete...Jasper! – Deu um pequeno salto e envolveu o meu corpo nos seus braços.

Lentamente, fiz o mesmo ao seu corpo. Ela parecia tão pequena, comparada a mim. Inconscientemente, olhei para o seu grupo de amigos que estavam muito mais à frente que nós, e apenas as duas raparigas com quem ela costumava estar, estavam a olhar para nós. Apertei-a nos meus braços e, com a intensidade do momento, beijei os seus cabelos vermelhos. O seu corpo paralisou, junto ao meu, mas logo relaxou. Praguejei mentalmente, por saber que ela se estava a tornar muito mais importante para mim do que deveria e do que, provavelmente, eu era para ela. Isso não poderia acontecer.

- Estou feliz por ti. – Afirmou, numa voz suave.

- Consigo ver isso. – Comentei, com um rouco riso na minha voz. As minhas mãos estavam nas suas costas, diretamente contra a pele morena que a sua camisola deixava mostrar. Não queria ficar muito possessivo dela, principalmente porque ela não precisava disso, mas não consegui evitar.

- Não olhes para eles, Jasper. – Ordenou, e eu olhei para os seus olhos. – Eles não são importantes.

- De certeza? – Pedi uma confirmação, e ela logo ma concedeu, ao assentir com a cabeça. Afastou-se, brevemente, de mim. Tentei não sentir falta do seu corpo contra o meu.

ele dormiu sete horas guys

muitomuitomuito obrigada por gostarem tanto desta história, adoro-vos <3


Como Amar um InsoneOnde histórias criam vida. Descubra agora