A história que eu contarei agora foi a maneira menos dolorosa que minha mãe encontrou para fazer com que eu, com toda a minha ingenuidade de 8 anos, compreendesse a situação.
Logo quando aprendi a ler e escrever, à pedido da minha mãe, listava todos os alimentos para nossa próxima ida ao supermercado. Ela deve ter percebido a empolgação e o capricho que o executava, pois mesmo quando estava ao lado de onde a lista se encontrava, caminhava para os outros cantos da casa e gritava para que eu escrevesse. Na época obviamente pensava "ela deve ter lembrado repentinamente e me mandou fazê-lo para não se esquecer". Mas hoje sei que o que ela queria era me ver correndo de onde quer que eu estivesse por que me sentiria útil, feliz.
E aos poucos ia me surpreendendo cada vez mais. Quando pediu para listar outro item, vi uma frase extra na lista: "Isabela com mostarda". Caía
nos risos e a cada dia uma nova. Às vezes com óleo, outras com batata frita ou até mesmo com leite condensado. Eu era boba, oras. Ria somente por que meu nome estava na frase e ficava lhe questionando como ela iria me comprar no supermercado. E assim continuou por muito tempo, por que, pensava, me deixava alegre.Nos dias de supermercado, nunca comprávamos nenhum alimento o qual "eu" estivesse incluída. Chegou um momento do meu emadurecimento que comecei a
estranhar. A frequência que ela escrevia aumentava e os ingredientes variavam entre todos os carboidratos e algumas proteínas e gorduras. A coincidência era que todos os item o qual meu nome antecedia, ela não consumia.Chegou a dias com dez alimentos e eu retive alguma desconfiança a qual foi comprovada pela sua palidez e magreza. O que estaria acontecendo?
Seu estado só piorava e já não lhe restava forças para escrever.
Até que foi ao hospital e internou-se.
Pelo que percebo hoje, nada foi ao acaso ou coincidência. Tudo começou com um modo de me fazer sorrir. Depois daquele dia, não houve mais listas com meu nome. Ou sequer sua presença.Alguma hora, depois da sua despedida, quando observei a lista de alimentos, havia uma palavra a qual não notara. E este último item, descubrira, nunca foi privado de seu cardápio, como a maioria dos alimentos: esperança.
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Contos, Romances e Narrativas
Short StoryA bondade ultrapassa os sentidos do próximo quando estes jamais conseguiram ser conquistados sozinhos. Foi um sonho ou real? Quem foi Mia? E as cores faiscantes? Onde moravam? Questões implícitas através da realidade, a fome e o que esta é capaz de...