Sou muito fotogênica, por assim dizer. Não necessariamente sorrindo, mas sempre estarei presente na maior parte do álbum de família. Às vezes, por uma careta ou, quando desatenta, um rosto vago.
Geralmente quando viajo, as paisagens me acompanham no HD do computador e eu as revejo de novo e de novo. Minha câmera, minha parceira, me flagra de país a país rindo, comendo algo exótico ou até tocando meus dedos no vidro respingado com aparência de gliter sobreposta pela luz solar, irradiando-o.
Mas em uma viagem em especial, me foi posto um dilema. Por ser um vôo internacional, sendo oito horas de duração, pus minha câmera desligada na bagagem de mão para que restasse bateria quando chegasse ao destino. As horas passando e o céu escurecendo.
Quase adormecida, pisquei meus olhos e os abri completamente, esfregando-os com as mãos caso o que estivesse diante de mim fosse um sonho, um delírio. Pela janelinha, vi um dilúvio de cores miscigenadas iniciado por um arco-iris esculpido especialmente para aquele momento, àquela hora e somente para mim. Não piscava ou respirava. O mundo parou para belezas como esta. É tão, tão... lindo.
O mundo não pararia para um sonho meu tão descaradamente, por mais maravilhoso que fosse. Soube, então, que o que eu via espalhado por cada canto do céu era real. Foi quando o dilema teve início.
Havia duas opções para registrá-lo. (1) Imediatamente ligar minha câmera e guardar está lembrança para sempre. Mas um medo interviu. Esta beleza surgiu tão rápido quanto a velocidade do avião. Em questão de segundos antes, o breu me encarava desafiador, exigindo-me encontrar alguma companhia além da sua essência escurecida. E agora, libertou-se da sua prisão eterna, alternando colorações, desafiando não mais a mim, mas à lei da natureza cuja ordem de se manter misterioso às duas da manhã foi ignorada.
Essa rapidez eu não podia subestimar. Do mesmo modo que viera, podia desaparecer. Enquanto prepararia a câmera, podia perdê-lo também para sempre. Me ocorreu uma segunda opção: encará-lo como fizera comigo, deslumbrada a cada segundo que me oferecia este momento mágico e eternizá-lo na memória.
Mas isso seria contra meus preceitos! Precisava ser rápida: a câmera ou o momento? A questão pode até parecer estúpida, mas não para mim, determinada a registrar cada imagem e aflita se, ao executar a segunda alternativa, um dia a lembrança se perdesse em meio a tantas. "Improvável" solucionei a equação. Não esquecerei jamais este momento, com ou sem a câmera. Sendo a mesma capaz de me distrair ao que ocorre diante de mim.
Soltei a bagagem de mão e através da minúscula janela eu o apreciei. Observei-no com tamanha atenção que meus olhos transformaram-se em lentes frontais da câmera e meu piscar, em um flash. Hoje, ainda não o esqueci.
Tudo o que eu pensava estava errado. Não é a câmera que registra meus momentos, sou eu. Eu os vivo e quando revejo as imagens de novo e de novo, não estou atenta à sua beleza. Mas relembrando o sentimento feliz em que me encontrava.
Logo, as cores se esvairam como o vento, despistando as provas de que eu as vira. Mas tudo bem. Já as eternizei em minha memória.
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Contos, Romances e Narrativas
Historia CortaA bondade ultrapassa os sentidos do próximo quando estes jamais conseguiram ser conquistados sozinhos. Foi um sonho ou real? Quem foi Mia? E as cores faiscantes? Onde moravam? Questões implícitas através da realidade, a fome e o que esta é capaz de...