Me mudei recentemente para um apartamento em outro estado brasileiro. Estou estressada com os problemas que estão acontecendo. O prédio é grande e eu tenho que descer umas três a quatro vezes ao dia para ver como anda o descarregamento do caminhão. Em uma dessas idas encontrei um senhor careca de meia idade no elevador.
-Oi. Boa tarde, moça.
-Oi - respondi seca sem pensar.
-Como vai?
-Cansada. Estou de mudança.
-Oh! Já conhece a cidade?
-Com tudo que tenho que pensar, como tenho tempo para isso?
-Mas olhe que dia bonito ao menos.
-Está muito quente.
-Mas há pássaros cantando e nessa cidade o pôr do sol tarda em chegar.
-O dia nunca acaba aqui! Pelo amor de Deus!
-Então saiba que amanhã ocorrerá uma chuva intensa para amenar o calor que a incomoda.
-É só o que me faltava! Não basta o atraso do caminhão, ainda vem a chuva.
-Mas já vai acalmar. Não costuma chover muito aqui.
-Mas se vai chover, já é ruim.
-Pensei que você não gostasse do calor.
-E eu penso que eu tenho muitas coisas para fazer antes de decidir do que eu gosto nesta cidade.
-Acalme-se. Você nem apertou o botão do seu andar.
-Vai só me atrasar! - disse apertando o boto com força.
Por sorte, meu andar já era o seguinte. Na hora pensei em como me irritei no elevador e no quanto aquele senhor me pertubara. Mas quando finalmente o dia chegou ao fim, percebi o quanto fora rude com a única pessoa que quis saber se eu estava bem. Ele certamente poderia ter me ignorado, mas não se importou em me mostrar a beleza do dia que eu não mais conseguia ver em meio de toda a bagunça que se resumia a minha vida.
***
No dia seguinte o encontrei novamente no mesmo horário no elevador.
-Como vai? - Comecei calma e envergonhada pelas minhas atitudes do dia anterior.
-Bem. E você?- Com o mesmo tom de ontem, ele respondeu.
- Também. Eu queria me desculpar pela grosseria que reagi com o senhor.
- Sem problemas. Compreensível.
- E eu pensei no que você me disse. Hoje resolvi dar uma volta pela cidade.
-Faz bem. A chuva está cessando e se você conseguir reparar, vir um arco íris.
- Vou prestar atenção, sim. E o senhor, aonde vai?
- Dar minha volta diária.
***
Quando passava pelo elevador naquele mesmo horário, ele estava lá novamente. E conversávamos em como o dia estava belo e se estivera feio, em como poderia melhorar. Com as semanas seguintes, passou a ser minha terapia pessoal conversar com o senhor tão agradável naquele lugar tão remoto. Dizia sempre que iria para seu passeio diário.
Ultimamente, não o vejo muito. O que é de se estranhar. Perguntei a uma de minhas vizinhas a seu respeito, pois sabia que o conhecia havia mais tempo. Ela me contou que seus passeio diários eram, na verdade, suas sessões de quimioterapia na tentativa de curar o câncer de tiroide que se espalhara por outras partes do corpo. Ele estava hospitalizado e seu estado, deteriorando.
Quando a ouvi, não chorei, não me expressei e nem ao menos me movimentei. Fiquei em choque por uns instantes até absorver toda a informação. Seria mesmo o mesmo senhor que tentou me alegrar no elevador e ver qual a maneira que eu mais apreciava a cidade? Por outro lado, é uma boa explicação por sua careca e sua regrada rotina.
Talvez fossem duas ou três semanas passadas sem mais minha terapia. Ele tinha toda a moral para reagir como eu naquele dia no elevador, mas ele preferiu me contar sobre a cidade com um sorriso. Enquanto eu, simplesmente por me mudar por uma cidade tão bonita, o agredi.
E agora estou sentada em um banco, ouvindo os pássaros que na primeira vez me contara e pensando em como ele está em seu passeio infinito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos, Romances e Narrativas
Short StoryA bondade ultrapassa os sentidos do próximo quando estes jamais conseguiram ser conquistados sozinhos. Foi um sonho ou real? Quem foi Mia? E as cores faiscantes? Onde moravam? Questões implícitas através da realidade, a fome e o que esta é capaz de...