Problema matemático

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Por ser atleta, viajo com frequência para competições. Uma dessas vezes, o destino foi Brasília. Passamos quatro dias na cidade e no quinto e penúltimo dia aconteceu algo que, para mim, marcou a viagem.

Havia um ponto de encontro entre os atletas e o motorista da van, logo contornando a esquina na calçada em frente a rua. Nos encontrávamos três vezes ao dia, para as refeições e a ida e vinda do complexo esportivo.

Um senhor barbudo, sujo e com trapos no lugar de roupas aproximou-se de nós enquanto esperávamos pela van. Trazia consigo um saco plástico com algo indecifrável dentro. Poderia descrever como lixo, mas seria uma maneira muito rude de falar da sua próxima refeição. Foi instantâneo: todos nos juntamos, pois fomos criados a ficar na defensiva em uma situação como esta. Aos poucos, fomos nos reacomodando e ficando mais à vontade.

O senhor, ao contrário do que pensávamos, cumprimentou-nos com um "oi", perguntou como estávamos e nos desejou sorte quando soube que se tratava de uma competição. Nesse dia, estávamos todos nervosos pois os resultados seriam revelados e este senhor, o qual nem sabíamos o nome, nos fez descontrairmos entre risadas e perguntas duas charadas a qual nos contou a resposta apenas da primeira, e quanto a segunda, apesar de indecifrável, nos omitiu. Era um problema de lógica matemática que, sem qualquer meio, nos contara, foi desvendado em quarto dias nas calçadas estreitas de Distrito Federal por si próprio.

Dissera que se até ele conseguiu, seria fácil para qualquer uma de nós. Propôs a partir daquele momento este desafio sem qualquer auxílio da calculadora.

Ao fim, quando a van se aproximava, nos agradeceu a companhia e atenção e alegou que, se resolvessemos o problema, poderíamos encontrá-lo naquela rua em que ele nos diria se estaria, ou não, correto. Despediu-se com um "Tchau" e continuou seu caminho pelas ruas solitárias.

No dia seguinte, voltamos naquela rua em nosso ponto de encontro, mas ele não estava lá. Olhamos pela última vez aquele lugar pela janela da van e retornamos para casa.

* * *
Nunca mais vi ou ouvi falar daquele senhor. Nunca consegui resolver aquele problema sem calculadora, enquanto ele, que se julgava tão pouco à nossa frente, conseguiu. Na verdade, nos mostrou muito mais naquele dia. Não foi pela beleza, pela atração ou roupas de marca. Porque, aliás, nem roupas decentes mais tinha. Mas pela simplicidade, humildade e seu encanto nos chamou a atenção. Sem sequer algum momento pedir esmola, bebida ou cigarro. Apenas pediu por nossa companhia.

Ele não andava apressado pelas ruas uniformizado para o trabalho com sua maleta em mãos. Mas com sua vestimenta e seu saco de plástico, ainda assim tem mais educação do que muitos que andam. E, provavelmente, quando conversava conosco, nosso diálogo foi muito mais sincero do que aqueles que temos diariamente e não queremos saber realmente como a pessoa está.

Com sua simplicidade, foi um dos poucos desconhecidos que conversou comigo no meio da rua sem me cobrar nada em troca e, ainda assim, agradeceu a companhia, como se fosse necessário! Eu é quem deveria agradecê-lo. Encontrá-lo foi um acaso. E, percebo, achar pessoas assim é mais raro ainda.

Quatro anos depois, competi várias outras vezes e me lembro de muitas vitórias. Diferentemente daquela viagem em que não ganharámos nada e ainda assim lembro-me.

Penso onde estaria esse senhor hoje. Nunca mais viajei a Brasília, mas se voltar, gostaria de revê-lo e explicar-lhe a resolução do problema, só espero não do mesmo jeito e lugar que caminhara anos antes.

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