PARTE II - continuação 2

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Era uma das cartas sobre o meu peso. Respirei fundo.

- Isadora, se eu não tivesse sido firme, rigorosa com a sua alimentação, você teria sofrido muito mais com a opinião dos outros do que com a minha, escuta o que estou te dizendo.

- Só que, mãe, a sua opinião sempre teve mais importância do que a dos outros para mim. Eu nunca ouvi muitas piadas porque, afinal de contas, eu não sou tão gorda assim, mas o que eu deixei de ouvir nas ruas acabei ouvindo em casa, da sua boca. Ninguém me acha tão gorda quanto a senhora diz. Ninguém vê tanto mal nisso. E, se não fosse por você, talvez eu nunca tivesse conhecido essa diferença tão gritante que você vê entre pessoas classificadas gordas ou magras.

- Ah, Isadora, por favor... Se você não ouviu comentários, sorte sua, que tem bons amigos - ou não, porque devem falar pelas suas costas -, mas eu fiz o meu papel de mãe, que era te alertar.

- Alertar? - perguntei indignada. Não, a senhora nunca me alertou, a senhora sempre me cobrou, me exigiu, me encheu o saco!

- E graças a Deus que foi assim! - mamãe levantou-se para falar, aumentando o tom de voz e erguendo o dedo indicador - Senão você seria mais uma dessas garotas choronas, com autoestima baixa, que fica isolada pelos cantos, que não tem amigos, que come escondida e que em qualquer roupa parece um balão! Mas que droga! - meu coração começou a bater forte, tive a impressão que iria sair de mim, que estava sendo puxada para fora do meu corpo, mas permaneci - Estou de saco cheio de toda essa sensibilidade, de todo esse romantismo. A verdade é que as pessoas rotulam. A pessoas ro-tu-lam, Isadora! E se não fosse por mim - bateu no peito com orgulho - talvez você fosse uma gorda depressiva! Me agradeça, me agradeça por ter me preocupado tanto com você!

Enquanto ela caminhava exaltada pelo quarto, lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu não estava chorando pelo que ela havia dito, mas pelo que ela não conseguia escutar. Para minha mãe, sim, ela havia sido uma heroína. Para mim, ela podia ter poupado todo este sofrimento desde a primeira vez em que disse que não me importava com o meu peso. Mas, espera aí. Eu disse?

- Você nunca esteve preocupada com o que eu queria. - prossegui entre lágrimas. A senhora só e sempre esteve preocupada com você. Você não estava preocupada com como eu me sentiria sendo gorda ou não, estava preocupada com a vergonha que seria ter uma filha gorda.

- Isso é mentira. - mamãe deixou uma única lágrima percorrer a bochecha e molhar a camisa.

- Não é mentira.

- Isadora, - mamãe puxou a cadeira para perto de mim e sentou novamente - você já viu alguma foto minha com a sua idade? Melhor, com a idade em que você escreveu a carta, há uns dois anos atrás.

Permaneci calada, tentando lembrar.

- A resposta é não. - elevei meu olhar curiosa. A resposta é não porque eu não tirava fotos. Eu não tirava fotos porque eu era gorda. Eu sei qual é a dor de ser gorda mais do que poderia saber sobre a dor de ser a mãe de uma gorda. - outra lágrima escorregou e ela enxugou depressa com a palma da mão - Eu, Isadora, só fiz isso por você.

- Obrigada, mãe. Mas sua tentativa de me proteger não me poupou de sentir a mesma dor que você sentiu.

Eu não sei como é ser mãe, mas penso que quando um filho vem não se sabe nada sobre ele. Minha mãe não sabia nada sobre mim. Talvez, se nós tivéssemos uma relação melhor, se desde o início eu tivesse tido coragem para falar ou para entregar alguma carta, tudo tivesse sido diferente. Mamãe se guiou pela experiência dela e tentou me poupar de sentir o que ela sentiu, mas... Bem, eu não sou ela. Preferiria sentir o mesmo que ela sentiu quando tinha minha idade do que ter passado por todos os maus momentos que ela me fez passar só pensando no meu melhor. Essa seria minha escolha, mas, simplesmente, minha mãe não sabia, não conversamos sobre isso.

De repente, simplesmente, estávamos falando da próxima carta, sobre o Lego, e o clima ficou muito mais leve.


Mãe, esse livro é pra você!Onde histórias criam vida. Descubra agora