PARTE II - continuação 4

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- Se quer fazer parte desta família, por que não começa se interessando pelas nossas vidas? Pela minha vida? - falei, sem pensar.

- Como é? - perguntou perplexa.

De alguma forma, eu sabia que a carta seguinte era sobre o dia em que lhe falei da ideia do blog e me enchi de raiva.

- Você sabe qual é a próxima carta, mamãe?

Ela passou a do Lego para trás e fitou as primeiras linhas.

- Você tem ideia de como o blog é importante para mim?

- Ah, você vai falar de novo desse blog?

- Não, eu ainda nem comecei a falar "desse blog".

- Você estava me contando sobre ele outro dia!

- Pois é, outro dia na semana passada, mas já tenho o blog há anos! Só estamos conversando sobre ele agora. Você nunca se interessou. - mamãe bufou. Aliás, a mesma coisa aconteceu com o Gui.

- Com o Gui? - fez uma expressão de dúvida. Aaaah, já sei! - estalou os dedos. Sua cartinha perguntando se eu não gosto do Guilherme.

- Exatamente. - cruzei os braços. Já namorava com ele há um ano e a senhora ainda o tratava como um desconhecido aqui em casa.

- Isa, veja bem. - mamãe destacou as duas cartas do bolo e se aproximou. A criação do blog e o seu namoro com o Guilherme foram apostas, você não sabia se iam dar certo. Você arriscou.

- Não. Eu fiz uma pesquisa de mercado. - afirmei.

- Sobre blogs ou namorados?

- Sobre blogs. - soltei uma leve risada.

- Filha, sei que você fica empolgada, mas minha experiência me diz que muitos empreendimentos que têm tudo para dar certo não vão para frente. No início estamos muito empolgados, determinados, mas quando esbarramos nas primeiras dificuldades... - torceu os lábios.

- Não importa, eu estava feliz. - era só isso que importava e queria que ela compartilhasse comigo essa alegria.

- Se eu alimentasse mais ainda sua felicidade e depois você quebrasse a cara, eu nunca mais teria sua confiança.

De repente a cena do jantar voltou clara em minha mente e percebi que ela só estava falando aquilo para me confortar, mas sua fala não justificava o que realmente tinha acontecido naquela noite. Carreguei minha língua com palavras certeiras e as disparei.

- Estamos nos desviando da carta. - mamãe me olhou com uma expressão de dúvida. Na carta, eu reclamei sobre sua falta de interesse e não sobre sua opinião. Se a senhora tivesse parado de mexer no celular e me falado o que falou agora já seria o suficiente para mim. Mas, não. Você fingiu não escutar. Você cortou o meu barato. Você não me alertou sobre os riscos. Você simplesmente ignorou. Com o Gui, a mesma coisa. Ignorava o fato de eu ter um namorado. Fingia que ele não existia, que meu namoro não acontecia. E, além disso, dificultava - e ainda dificulta, não é, mãe? - o nosso namoro.

- O blog era incerto, o namoro era incerto. Toda ideia de adolescente é assim. Se eu fosse levar a sério todas as ideias que você teve na vida, Isadora...

- Você me trata com descaso! - aumentei o tom de voz. Você não me leva a sério!

- Isadora, eu te levo a sério. Eu te levo a sério quando vejo que suas iniciativas são sérias. Quando o namoro foi se solidificando eu comecei a dar mais abertura, senti confiança. Mas, se tivesse feito isso na primeira semana e ele tivesse te abandonado, me diz, como é que ia ser?

- Ia ser da mesma forma se o namoro tivesse um mês, um ano ou dois. Eu sofreria do mesmo jeito. A única diferença é que você pareceria mais agradável para ele e eu teria sido mais feliz compartilhando minhas alegrias com você.

- Ah, então ele me acha desagradável?

- Eu te acho desagradável. Você não fica feliz com a felicidade dos outros. Aliás, ok, vou te dar um desconto: você demora a ficar feliz com a felicidade dos outros.

- Bom, eu não pareci nada desagradável no dia 30 de abril de 2014, pareci? - ela evidenciou aquele bilhete de agradecimento pelo meu aniversário.

- Não, não nesse dia. Foi por isso que eu disse que você demora a ficar feliz. Demora, mas depois fica. - olhei no fundo dos seus olhos. Você é durona, mãe. - e então uma lágrima escorreu pelo meu rosto.


Mãe, esse livro é pra você!Onde histórias criam vida. Descubra agora