- Bom, essa aqui também é sobre emagrecer - mamãe interrompeu meus pensamentos. Acho que já consegui deixar claro o motivo da minha preocupação.
- Deixa eu ver. - peguei a carta para relembrar - Mãe, esta não é só sobre emagrecer, a parte mais importante é que a senhora, naquele dia, usou emagrecer como condição para eu sair com os meus amigos.
- Você queria ir a um rodízio de pizza.
- E não vejo nenhum problema nisso, já que eu não estava de regime.
- Filha, você saber que precisa cuidar sua alimentação, você tem facilidade para engordar.
- Mãe, eu não me importo de engordar, eu me importo de não poder ir a uma pizzaria.
Nos encaramos por um tempo.
- Não consigo me acostumar com isso. - mamãe bufou apoiando a cabeça em uma das mãos.
- Ok, esquece a pizza. Mas, quantas vezes a senhora já me proibiu de sair sem motivo?
- O fato de você desconhecer meus motivos não significa que eles não existam. Nem sempre eu vou poder te falar e nem sempre você vai entender.
- Por que???
- Porque preocupação de mãe é algo que nem sempre dá para explicar!
- Eu não admito ficar sem explicações!
- O Rio de Janeiro estar violento já não é o bastante para você?
- Eu não sei de onde a senhora tira tanta violência!
- Não sabe porque eu te protejo dela! Se te deixasse ir e vir sozinha toda hora como você quer, com certeza saberia do que estou falando, se não sabe é porque o meu modo de lidar com a situação está funcionando.
- Mãe, algum dia eu vou precisar ir e vir sozinha. E eu preciso me acostumar com isso!
- Eu tenho certeza que se acostumar com isso aos 20 será menos mal do que aos 14, 15... Eu sei que é inevitável, que você passará por situações difíceis na rua, mas enquanto eu puder evitar, eu vou evitar. E você precisa agradecer por ter alguém que zele por você.
Me calei e refleti. De certa forma, agradeci.
- Mas este não foi o caso da pizzaria.
- Não, não foi, Isadora! - aumentou o tom de voz perdendo a paciência - Eu não queria que você se empanturrasse de pizza mesmo!
- É sério? - pergunte com os olhos arregalados.
- É claro que é sério. Eu não falei "enquanto você não emagrecer não vai a lugar nenhum" por acaso. Eu estava falando sério.
- A senhora não tem o direito de controlar o que eu como!
- Tenho sim porque sou sua mãe e sei o que é melhor para você! Estou cansada dessa contestação toda!
Meus olhos se encheram de lágrimas e tudo o que pensei que havia construído durante a conversa estava indo por água abaixo. Estava bom demais para ser verdade. Aliás, nem fazia muito sentido. Essa sim era minha mãe, explosiva, autoritária. O resto, estava mais para sonho do que para realidade.
Por um milagre, ela percebeu meu choro e, com algum esforço, muito, na verdade, começou a caminhar pelo quarto respirando fundo.
- Para, para de chorar. - "que bela forma de tentar evitar um choro" - pesei. Isadora, para com isso. Nossa conversa estava indo tão bem...
A intensidade das minhas lágrimas me davam a sensação irritante de que eu poderia, inesperadamente, sair de mim, literalmente.
- Filha, se acalma. Eu quero muito chegar na próxima carta, sei que é importante para você.
Me dei conta de que a carta da qual ela falava era sobre a minha relação com o Gui, sobre o que as pessoas chamam de "dar mais um passo no relacionamento", e eu precisava muito falar sobre isso.