PARTE II

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Já estava bem tarde quando cruzei o corredor e vi a porta do meu quarto entreaberta. A luminária sobre a escrivaninha iluminava minha mãe e minhas, aliás, suas cartas. Encolhi os olhos para prestar mais atenção e me aproximei com calma da porta, observando-a em silêncio. De imediato, pensei "preciso impedi-la, ela não pode ler!", mas, depois, "por pior que seja, agora que já começou, é melhor que leia tudo" - não sei de onde veio este ímpeto, mas ele me fez alguém mais corajosa naquele momento.

Esperei pacientemente até que lesse tudo. 

Deixando os óculos de lado ela apoiou a testa nas duas mãos e começou a chorar.

- Mãe?

Ela controlou o choro e acendi a luz do quarto. Caminhei até a cama, me sentei e esperei que ela se virasse.

- Então é isso que você pensa de mim? – ergueu as cartas que tinha na mão.

- A senhora não devia ter lido.

- Por que não? São todas para mim.

- Mãe... eu não quero que fique triste. Escrevi em momentos de raiva...

- Isadora, nós vamos conversar. Sobre cada uma delas.

Mamãe organizou as cartas por datas e começou:

- O pior aniversário da sua vida?! Quero ver se você vai ter coragem de falar isso depois de amanhã!

- Mãe, por favor...

- Nós sempre fizemos tudo pensando no seu melhor!

- Inclusive servir bobó de camarão para uma garota de 12 anos no seu aniversário?!

- Isadora, como você é egoísta!

- Pronto, começou...

- Você sabe que este é o prato preferido do seu avô!

- Então faz para ele no aniversário dele!

Ficamos em silêncio.

- Minha carta não fala só de comida. Fala da roupa que você me fez vestir, fala de sempre viajarmos na data...

- Filha, seu aniversário cai em véspera de feriado e seus avós moram longe! Quer dizer, seu avô... – seu olhar se perdeu no vazio e percebi que essa discussão não valia mais a pena.

- Essa carta é muito antiga, eu compreendi muita coisa depois que a vovó morreu. Me arrependi muito por tudo que disse, por toda ingratidão, por... – comecei a chorar. A saudade bateu forte.

Mamãe fez cara de forte, enxugou suas lágrimas e pegou a próxima carta.

- Bom, eu não sei o que falar sobre isso...

- Qual é essa?

- Menstruação, BV, etc. – dei um leve riso enxugando minhas lágrimas.

- Eu não fazia ideia de que menstruação, olha que palavra bizarra, existia!

- Ah, Isadora. Pelo amor de Deus, como não?

- Não, mãe! Não! Quem poderia ter me falado?

- As colegas, a escola...

- Desculpa, mas ninguém me falou...

- Certo. Se fez tanta falta para você assim... Me desculpa? Acabei esquecendo que no manual da filha vinha "contar sobre menstruação antes que aconteça".

- Mas o problema não foi só esse. A senhora falou isso para os nossos vizinhos. NO ELEVADOR! NA MINHA FRENTE!

- Ah, minha filha. Que besteira. Isso é tão normal. Todas as mulheres menstruam e todos os homens sabem disso. Não tem porquê ter vergonha.

- Mãe, para mim não era normal! Não era nada normal! Fiquei constrangida, até porque além de vizinhos eles já eram quase meus sogros!

- Ai, ainda tem isso...

- Mãe, reconheça, a senhora foi, no mínimo, indelicada.

- Ah, Isadora, que drama.

- Mãe, a senhora não pode esperar que uma garota de 12 anos trate menstruação com a mesma naturalidade de uma mulher de 40. – com essa fala ela pareceu, finalmente, ter entendido.

- Ok, Isadora. Vamos para a próxima.


Mãe, esse livro é pra você!Onde histórias criam vida. Descubra agora