Capítulo Nove - Imagens

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   Eu sabia que as chances de Serena responder a minha pergunta era quase nula. Ela parecia reservada com o assunto de seu povo - a idéia de haver mais de sua espécie ainda me surpreendia -, mas algo me dizia que aquele ferimento em seu braço não foi causado por um "acidente natural".

   E se alguém a quisesse morta? Se sim, por quê? O que Serena devia ter feito para que, como consequência, ela quase fosse morta?

   A sereia não me encara nos olhos. Em vez disso, olha para baixo, provavelmente na direção de onde saía sua cauda. Sua face está impassível, tão lisa quanto uma folha de papel. E essa é a pior parte, já que não posso saber se ela está com raiva ou não da minha pergunta.

   -Tudo o que você precisava saber, agora sabe. - disse ela, estranhamente com a voz neutra. Tento coletar outros aspectos que possam deduzir sua emoção predominante naquele momento, mas não encontro nenhum. - Qualquer assunto além disso está além de seu alcance, mero humano.

   Olho dela para o machucado em seu braço. O pano branco das gazes, em alguns pontos, adquiria um tom avermelhado, sinal de que o ferimento ainda estava vazando sangue. Só espero que aquelas poucas proteções sejam o bastante para impedi-lo de piorar ainda mais. Ou então, a perda de sangue poderia matá-la. E, mesmo com o humor pouco amigável de Serena, não conseguia - e nem queria - imaginá-la morta.

   -Mas eu lhe ajudei... - nem tive a chance de terminar minha linha de pensamento.

   -E eu já lhe agradeci, contando para você o que tanto queria saber. Só. Agora estamos quites. - a voz de Serena aumentava a cada palavra, mas a raiva manteve-se contida.

   Ela poderia ter razão, mas eu não iria sair perdendo nesta discussão, principalmente porque estava disposto a descobrir o que tinha acontecido com a bela sereia. Um sentimento ímpeto cresceu em meu peito, tão forte e propício que me negava a acreditar que se tratava de um desejo de proteção.

   Me sentia com ânsia para proteger aquela jovem Serena do mal que lhe causou aquele ferimento em seu braço, qualquer que fosse.

   Eu precisava pressioná-la. Pressioná-la até que ela resolvesse enfim me contar o que acontecera. Mas em forma de palavras não me favoreceria, já que Serena era boa nesse requisito. Precisava arrancar respostas de outra forma...

   Então pelo visto eu teria que pensar em outro modo de induzí-la à verdade.

   Minha mão pegou a dela com suavidade. Sobre minha palma, senti a dela. A lisa e frágil pele foi alvo de fracos carinhos, principalmente do meu dedão, que fazia pequenos círculos invisíveis no centro da sua mão.

   Aquele simples toque lançava em mim jatos de puro calor, queimando toda a extensão do meu corpo. Olhei para o rosto dela, e testemunhei um olhar de surpresa, enquanto encarava o ponto onde nossas mãos se uniam.

   Mas aquilo demorou pouco. No momento seguinte ela recua o braço, e minha palma passa a entrar em contato com a madeira fria da passarela abaixo de mim.

   -Por que você fez isso? - perguntou ela, com a voz levemente alterada. De raiva ou emoção, não sei dizer. - Achou mesmo que trocando carícias e toques comigo iria mudar alguma coisa?

   Abri minha boca para me defender - ou pelo menos tentar -, mas antes que alguma palavra possa escapar da minha garganta, Serena volta a falar:

   -Se você não quiser que eu lhe mate agora mesmo, então sugiro que responda à minha pergunta: você vai ou não me ajudar a descobrir os motivos da guerra entre meu povo?

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   -Vou. Vou ajudá-la. - a curiosidade foi quem disse aquilo. Eu em si só não teria a audácia de responder com aquela resposta afirmativa, principalmente tendo em mente o fato da minha morte ser quase que certa, no final.

Sereia - A Prisioneira Da ÁguaOnde histórias criam vida. Descubra agora