Capítulo Treze - Mente Confusa

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   Fiquei confuso com as palavras de Sophia. Todas faziam sentido individualmente, mas, quando tentava colocá-las juntas, o sentido parecia mudar de idioma.

   -O que quer dizer com isso? - perguntei, cansado de tentar tirar conclusões precipitadas. E a curiosidade, se alimentando a cada segundo, não me deixava em paz.

   -Nem eu sei direito... - respondeu ela, olhando para longe, em vez de me encarar nos olhos. Sua visão parecia estar perdida em uma outra dimensão, enquanto suas palavras pareciam sair de sua boca de forma robótica. - A única coisa que eu posso dizer, com certeza, é que esse lugar... essa casa... São familiares para mim.

   -Pode ser que você já tenha passado por aqui antes. - propus, tentando tornar a situação mais "normal". Não que eu estivesse duvidando das palavras de Sophia.

   Ela pareceu considerar essa hipótese. Por poucos segundos, pois mal eu pisquei meus olhos ela estava balançando a cabeça de um lado para o outro, em um sinal claro de negação.

   -Não creio que seja isso. Se fosse, eu lembraria. Mas isso... O que eu vi... Parece que estava impresso em minha memória, como se fosse um acontecimento que eu já presenciei em alguma vida passada.

   A descrição me pegou de surpresa. Não imaginei que o que Sophia tinha "visto" tinha sido tão real. A curiosidade deu lugar para a confusão.

   -Bom... Acho que é melhor eu ir para casa. - disse a garota, do nada, quebrando o breve silêncio que tínhamos entre nós.

   -Mais uma vez obrigado por me acompanhar até aqui. - digo, me virando na sua direção.

   Sophia sorri, e o brilho da lua faz com que seus dentes perfeitos pareçam pedaços de diamante colados em sua boca.

   -Ainda não entendi o motivo de você ter pedido isto. - respondeu ela, colocando os dedos dentro dos bolsos traseiros de sua calça.

   Rio, porque eu também não entendia muito bem o porquê de ter pedido aquilo. Simplesmente achava a idéia de me separar dela completamente fora de questão.

   -De qualquer forma... - continuou ela. -..., eu me diverti bastante na Dancing. Foi legal lhe conhecer.

   -Pois eu digo o mesmo. - falo aquela frase de maneira distante, já que havia me perdido em uma dimensão completamente diferente daquela que eu estava vivendo.

   Conforme ela se dirigia para o carro de Júnior, notava cada forma de seu corpo diante da luz fraca da lua. A maneira como sua aparência se assemelhava com a de Serena ainda me assustava. Porém ainda não estava pronto para contar desse detalhe nem para uma, nem para a outra. O segredo de Serena ainda seria inteiramente de minha confiança.

   "Serena...". Por que eu tive que me lembrar dela? Meu plano de esquecê-la, até agora, tinha corrido tão bem quanto deveria: tinha conhecido alguém que pudesse me fazer esquecer a sereia.

   Mas foi só eu me lembrar do nome de Serena, que todos os sentimentos proibidos que eu sinto por ela despertaram dentro de mim.

   Mesmo quando o carro se distanciou, percorrendo o caminho inverso ao que fizera para me trazer até ali, fiquei aonde estava, agitado - mentalmente - demais para poder entrar em casa e dormir. Em vez disso, fiquei olhando para o lago. A superfície estava calma, sem qualquer sinal de ondas - pelo menos no limite de meus olhos -.

   Apesar de tentar esquecer Serena, uma atração misteriosa me atraiu até a borda do lago, e nada pude fazer para impedir isso. Minhas pernas criaram vida própria, fazendo todo o meu corpo andar até a água.

   Quando fiquei há centímetros de entrar no lago, parei. Algo à mais tinha entrado na minha visão; algo que não tinha percebido antes.

   Um pequeno ponto aparecia ao longe, na linha do horizonte, banhado pela luz lunar. Poderia ser qualquer coisa, a julgar pela distância. À início pensei que poderia se tratar daquela misteriosa ilha que ficava no centro do lago, mas a perspectiva estava errada. A ilha ficava mais à leste, então não poderia ser ela.

   Principalmente porque a misteriosa silhueta estava se movimentando, vindo diretamente para mim.

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   Conforme a misteriosa silhueta se aproximava, percebia que se tratava de uma figura de aparência humanitária. De repente, a idéia de se tratar de Serena brilhou dentro de minha mente, e um lampejo de alegria se aflorou em meu coração, me fazendo perceber que meu plano de tentar esquecer Serena não saiu como eu havia planejado. Acontecera exatamente o contrário: continuava atraído por Serena, mas agora sentia algo forte por Sophia, e isso deixava meu coração e mente confusos.

   Mas logo em seguida percebi que não era Serena quem estava vindo na minha direção.

   Cabelos ruivos - pelo que percebi com a pouca iluminação -, entrando em contraste com uma pele tão branca quanto possível. Os olhos tinham uma cor indistinta, mas eu sabia que estavam fixos em mim.

   Ela chegou o mais perto possível, e a distância entre nós não era tão grande. Meu cérebro me advertia a correr para um ponto seguro, mas meu coração se negava a fugir. Acabei como que ouvindo o segundo, ficando parado e esperando que ela se manifestasse primeiro.

   -Você é o Lucas? - perguntou, depois de alguns segundos de silêncio. Sua voz, assim como a de Serena, era melódica; mas a desta era mais suave, com notas fracas e timbres agudos em certas letras.

   -Sou. - digo, tentando aparentar o máximo de cautela e confiança que pudesse. - Como me conhece? E como sabe meu nome.

   -Eu sou amiga de Serena. Ela me disse como se chama e me instruiu em que área eu poderia encontrá-lo. Meu nome é Miranda.

   "Ela é amiga de Serena...".

   -Mas o que você quer comigo? - perguntei. - E o que Serena tem a ver com isso?

   -Ela me pediu para achá-lo e lhe dar um recado. Também disse que eu deveria ser rápida em localizá-lo, mas tive problemas nesse requisito, já que o local principal que ela me advertiu que você estaria estava deserto.

   "Deve ser aquela plataforma que tenho atrás da minha casa...".

   -É que eu saí com alguns amigos...

   -Não importa aonde você estava, nem com quem. Preciso lhe dizer o que ela me pediu, assim como preciso fazê-lo.

   -Mas o que ela disse para você fazer? - o rumo da conversa estava se tornando mais estranho, e comecei a tomar conclusões precipitadas nada amigáveis.

   -Tudo o que eu preciso é que você confie em mim.

   A forma como Miranda disse aquilo me forneceu tranquilidade. Não era só porque ela era amiga de Serena que eu passei a confiar nela. Miranda exalava isso de seu corpo. Se ela fosse uma mera estranha, sentiria a mesma coisa.

   -Eu confio. - falo, mostrando um sorriso que pudesse fazer com que ela acreditasse ainda mais em minha palavra. - Mas o que você precisa fazer?

   Miranda olha para seus dois lados, como se para ver se ninguém estava nos observando. Mas porque tomar essa precaução, já que estávamos sozinhos?

   -Preciso lhe levar para Aquam.

   -Aquam? - mesmo o nome parecendo estranho, já podia saber do que ela estava se referindo. E eu não sabia como reagir diante disso.

   -Nossa cidade subaquática. Preciso levar você até lá, mas sem sermos vistos. Se souberem de um humano em seus domínios, tanto nós quanto Serena morremos.

Sereia - A Prisioneira Da ÁguaOnde histórias criam vida. Descubra agora