Capítulo Quinze - Caminho Até Aquam

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   No começo, tudo ao meu redor era o mais profundo breu, mas aos poucos parecia que tudo estava clareando, como uma luz no final do túnel. Logo percebi que o Assopro da Sereia também fazia com que quem o adquirisse tivesse visão noturna - pelo menos dentro d'água -. Miranda esqueceu de mencionar isso; provavelmente queria que eu a descobrisse no momento.

   Minha boca estava cheia de ar, que eu inspirei o máximo possível antes de mergulhar. Eu sabia do dom de respirar embaixo da água que havia adquirido, mas aquilo que estava fazendo era mais psicológico. Me sentiria às últimas se não o fizesse.

   Quando finalmente me adaptei a respirar normalmente - sem me esquecer de que o dom da respiração subaquática era limitado -, percebi um leve brilho mais ao fundo, ao longe. Miranda, ao meu lado, nadava tão lentamente, tentando me acompanhar, que eu conseguiria ver, mesmo sem os dons limitados, de que ela estava com um certo tédio.

   O brilho ao fundo aumentava lentamente ao alcance dos meus olhos, e mais uma vez me surpreendi com a profundidade do lago. Sempre parecia que ele se aprofundava ainda mais, como um buraco negro... de água.

   De repente Miranda para. Sem escolhas, não sabendo o que fazer, acabo parando também. Olho para ela, e por um segundo me esqueci da beleza de Serena. Não tendo um molde para servir de comparação, a aparência de Miranda de certo modo explodiu no meu rosto.

   Seus cabelos flutuavam ao redor da face, às vezes deixando-a toda à mostra, e em outras ocultando algum aspecto de sua aparência. Mas até nesse segundo caso se podia destacar sua beleza. E novamente percebi porque nas lendas, os pescadores e marinheiros se jogavam ao mar quando as viam ou ouviam-nas: atraídos por algo belo, sem perceber os perigos que elas poderiam proporcionar.

   Sabendo que não conseguiria falar - nem cheguei à tentar -, fiz um gesto com os ombros perguntando o que havia acontecido. Miranda se aproximou tão rápido de mim que não demorou mais de três segundos para estar ao meu lado.

   -Não precisa fazer gestos. Você consegue falar embaixo d'água. - disse ela, bem baixo. Fiquei surpreso com o fato de sua voz ter soado normal, apesar do ambiente onde nos encontrávamos. - Agora é crucial que você me siga em todos os momentos.

   Demorei um pouco para responder, me preparando mentalmente para falar, com a possível hipótese de minha boca encher de água no segundo seguinte.

   -Mas e se isso acontecer? - pergunto. Minha voz soou excessivamente estranha aos meus ouvidos, quase como se estivesse rouco. Mas para Miranda, o tom foi igual ao de antes.

   Uma das características de Miranda - podendo ser institulada de bom ou ruim dependendo da situação - era que não tinha o que chamam de "papa na língua". Ou seja: não tenta amenizar certas coisas.

   -Então você morre. - "Simples assim...", pensei quando ela terminou de falar. O modo direto da sereia não amenizou a situação, me deixando com o dobro de medo que sentia antes de pular no lago. - Agora, procure não falar. - continuou, depois de dois ou três segundos de silêncio. - Seguiremos um caminho onde não poderemos ser vistos, então a descrição será nossa principal meta. Além de não morrer, é claro.

   Tive de acenar a cabeça e concordar com aquela última afirmativa. Aliás, era o que eu também queria.

   E assim voltamos a nadar rumo ao fundo, com Aquam começando a se materializar na minha frente. Aos poucos ia percebendo alguns pontos que a faziam se parecer com uma metrópole urbana: torres altas, que pareciam querer chegar até a superfície; iluminação própria - que fiquei de certo modo curioso para entender o funcionamento -. Mas nenhum sinal aparente de civilização.

   E quando ia percebendo outros pontos curiosos na cidade aquática, senti as mãos de Miranda se impressarem contra a lateral do meu corpo e me empurrando para longe do caminho original com tal brutalidade que chegou a causar dores. Parecia que Miranda estava me levando para o fundo com mais rapidez - podia querer terminar a missão logo para se livrar de mim o quão antes -, mas então por que por outro caminho? Não demorou muito para eu notar que ela estava me levando para longe de Aquam, para uma área escura cheia de pedras. Um pensamento horrível e horripilante chegou até minha mente: será que tudo aquilo era uma armadilha? Ela usou o nome de Serena para me atrair, e já que estava em seu domínio, era chegada a hora de morrer.

   Mas por que eu?

   Quando estávamos a poucos centímetros de distância do chão arenoso do lago, Miranda me solta e nada para atrás das pedras. Ela não olhou para trás, se certificando de que eu a seguiria. Provavelmente achava que eu não era tão ingênuo a ponto de não segui-la.

   E eu não era.

   Fui caminhando na direção da pedra onde Miranda estava escondida. Foi a caminhada mais difícil que realizei na minha vida. A água parecia fazer com que eu tivesse o triplo do peso imaginado. E quando eu pisava no chão, voava fragmentos de areia para cima, ficando pairando na água à altura dos meus joelhos.

   Quando me encontrei às costas da pedra, Miranda coloca uma das mãos no meu ombro, enquanto levava o dedo indicador da outra de encontro aos lábios. "Silêncio", era a mensagem que passava.

   E foi o que eu fiz.

   No começo não entendi o porquê de aquilo estar acontecendo, mas foi só olhar para além da pedra que eu notei o motivo de toda aquela cautela.

   Quase no ponto exato onde estava antes de Miranda me empurrar bruscamente naquela direção, um grupo de seis criaturas estavam reunidos. Eram tritões, segurando, cada, um tridente de três dentes tão pontudos que brilhavam com a mais fraca luz que resplandesse em sua superfície. Pareciam conversar entre si, deduzindo algo que não conseguia imaginar, pois apenas um pensamento corria na minha mente: de que tinham nos descoberto. Me descoberto.

   E foi nesse instante que a pior coisa a se imaginar naquele momento aconteceu: todos os tritões olharam na minha direção.

   Eu estava certo.

   Haviam nos descoberto.

Sereia - A Prisioneira Da ÁguaOnde histórias criam vida. Descubra agora