As coisas passaram a caminhar em passos rápidos e a rotina ainda era contínua, mas houve mudanças. Eu acostumei-me a sentir os lábios de meu melhor amigo todo dia de manhã quando descia as escadas correndo e me despedia dos pais, acostumei-me com o calor da sua mão entrelaçada na minha durante a caminhada sob a manhã indiferente.
Tudo tinha mudado. A escola, as pessoas, os ambientes, os passatempos. Eu tinha amigos, eu vivia por eles. Minhas notas aumentaram, comecei a beber - não que isso fosse positivo - e estranhamente não me sentia na necessidade de ingerir medicamentos para sentir-me um pouco mais disposto.
Eu sentia como se eu inalasse ar e não a fumaça horrível daquele lugar.
Bem, até agora.
Incrivelmente nessa manhã a rotina decidiu mudar, durante um dos intervalos a movimentação de pessoas no corredor dobrou, eu ouvia bagunça e a voz de Yoongi um tempo depois. Jimin estava comigo dentro da classe vazia e no mesmo instante encaramos um ao outro da mesma estranheza, correndo atrás do mote daquilo.
Empurrava-me até o meio até que pudesse ver: SeokJin chorava caído no chão e Yoongi estava na sua frente, como quem o protegia. Minha primeira reação foi correr até o mais novo e dar-lhe suporte. Encarava a situação em volta, mas não entendia nada estando fora do contexto. Tudo o que eu ouvia eram múrmuros e vozes mais próximas que ofendiam gratuitamente o pequeno. "Essa criança", "viadinho de merda", "só sabe chorar", "tem que apanhar mesmo", "deveria aprender a ser homem", várias eram as coisas banais que eu ouvia, mal queria acreditar que aquilo era real.
"Sai daqui, bando de merda, brigar com quem se garante é fácil!" Yoongi provocava, tentando fazê-los parar com todos aqueles insultos.
"O que foi que você disse?!" Uma voz desconhecida soava intimidadora.
"O que você ouviu seu babaca, 'tá com algum problema?" Respondeu ríspido. Não era o Yoongi que sorria nas tardes abandonadas num lugar vazio. Era outro dele.
O mais alto acertou com o punho fechado no nariz de Yoongi, uma vez só, suficiente parar deixar-o desnorteado já que a região era frágil. O sangue escorria quase de imediato e o corpo dele bambeava.
"Só assim pra calar a merda da boca? Viadinho do cabelo colorido." Em meio à expressão de dor, podia-se notar a vontade de Yoongi em responder de forma tão fútil quanto aquele outro o atacava, mas era impossibilitado.
Simplesmente empenhou-se em tentar esconder a dor que agonizava e ao mesmo tempo estancar o sangue que escorria das narinas.
"Está tudo certo com você?" Eu disse para Seokjin, enquanto o encarava, e fazia-o me encarar da mesma forma para que ignorasse a imagem de todo aquele sangue e a dor vinda do mais velho.
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"E como está o nosso herói?" Namjoon abraçava Yoongi, com a bandagem cobrindo todo o nariz. O mais baixo queria sorrir, mas não conseguia por conta das dores que ainda sentia.
Eu não evitei sorrir sozinho ao ver aquilo, seguido de Yoongi atirando-se no sofá velho com um sorriso levemente esboçado. Esperava por Jimin sentar-se ao meu lado, mas ele foi em direção ao melhor amigo, o de cabelo meio rosa e meio laranja. Não que isso realmente fizesse diferença, eu tinha cabeça pra aceitar a amizade que ambos consolidaram, até porque era bonita, bonita como a nossa.
Ao invés disso, Taehyung atirou-se ao meu lado, estendendo uma garrafa de cerveja na minha direção. Qual eu, obviamente, não recusei, até usei de grandes goladas logo no primeiro encontro do vidro gelado com meus lábios.
"O que é essa cara, Hoseok?" Ele questionou, com uma expressão desconfortável no rosto.
"Não sei, estou me sentindo longe. Pensando, talvez." Eu respondi, ainda com meus olhos focados num espaço vazio do horizonte morto daquele local.
"Pensando em quê?" Continuava a indagar, parecia escavar minha cabeça em busca de respostas.
"Em como é engraçada a maneira em que a vida e o destino nos colocam um momento incrível, mas algo ruim tem de acontecer eventualmente para nunca esquecermos que ainda somos um lixo." Pude ver do canto do olho o maior franzir o cenho e buscar palavras na boca entreaberta.
"Você... Parece horrível pelo que aconteceu hoje. Deveria se acostumar, Yoongi é meio durão; sem noção assim." Naquele momento parecia que não lembrava mais como se pronunciar algumas palavras, estava devastado pela tempestade imaginária que caía apenas sobre minha cabeça.
"Não estou mal por causa do Yoongi e sim pelo Seokjin. Mas, existe outra coisa que está me batendo na cabeça." Passei a encará-lo nos olhos, com o corpo debruçado sobre as pernas.
"Você quer me falar?" Questionou, vendo a necessidade brilhar no meio da escuridão de meus orbes.
"Você... Vai estar sozinho depois que sair daqui?"
Ele assentiu com a cabeça, já nem precisando mais que eu dissesse que precisava ir embora em sua companhia nesta noite. Ele entendia tudo e mais um pouco em meia dúzia de palavras.
Voltei a saciar minha boca com uma boa dose de álcool, encarando qualquer coisa que não fossem os outros rapazes. Era a primeira vez que, em melhor companhia, eu desejei estar abandonado no mundo.
Eu sentia como se pequenos abalos sísmicos dissessem: "- O terremoto devastador está por vir.", mas apenas eu sentia.
Quando a noite teve final para nós, estavam de saída e eu aguardava apenas sobrar Taehyung em todo aquele espaço de terra.
"Você não vem?" Indagou Jimin.
"Eu vou terminar as garrafas com Taehyung, pode ir sem mim." Respondi ao mostrar-lhe a garrafa quase no fim em minha destra.
Não perguntou nada, nem disse. Apenas concordou com a cabeça e um sorriso na cara. Como sempre.
Dava para ouvir os passos distanciarem-se de nós e a partir dali era apenas eu e o moreno sob o céu preto.
"Vamos, não é legal ficar por aqui a essa hora da noite." Chamou-me ao vestir na cabeça o capuz do moletom.
Eu depositei a garrafa no chão e levantei-me, pondo as mãos no bolso e caminhando até ele.
Descemos e subimos pelas ruas, das mais ricas vizinhanças, até a mais pobre delas. O contraste era enorme, mas pior que isso era só ser como nós, que não se encaixavam em lugar nenhum e eram descartados como as peças que sobram.
Aquele lugar não tinha o ar da graça. Não tinha ar de nada. Mas, felizmente, eu ainda tinha resto de algum vento dentro dos pulmões.
"O que houve, afinal?" Pronunciou-se o maior.
"Eu estou sentindo um desconforto, um mau pressentimento, ou qualquer coisa assim." Respondi.
"Mas por quê?"
"Não sei, eu realmente não sei. As coisas caminharam bem nesse último mês (e meio), mas talvez só estivessem caminhando pra um precipício."
"... Por que quando você fala faz tudo parecer bonito?" Levantava outra questão, completamente paralela à primeira.
"Eu faço?" Minha expressão deveria ser alguém desentendido ao encarar o maior.
"Uh-Huh..." Assentiu com a cabeça ao murmurar.
"... Parece que você recita um livro clássico, em língua culta e bonitas metáforas quando fala...".
Soltei um leve e breve riso como agradecimento por tais palavras, ainda encarando-o.
"E eu não gosto disso."
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Desfecho.
Fanfiction[longfic | bangtan | drama | hoseok!pov | hopexall] "[...] Joguei tudo que carregava no chão, sem o menor cuidado, antes de atirar-me contra os lençóis brancos. Encarava o gesso, também branco, do teto e repensava sobre toda aquela semana. Tudo pare...