JIMIN: Saideira

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Desde que eu ouvi aquelas palavras tudo parecia cada vez mais surreal.

Eu ficava defronte ao espelho, começava jogando os próprios fios castanhos para trás, tocava a pele das bochechas cheias, os lábios carnudos demais com a pele toda destruída pela falta de umidade, os dedos consideráveis passavam por onde deveriam haver os ossos expostos da clavícula. Maldita anatomia.

Ele sabia quem eu era, conhecia perfeitamente cada traço de mim, mas mesmo assim agia como se não fosse ninguém.

Eu o apresentei para os meus amigos, ninguém até hoje sabe o que ele tem para estar entre mais um dos vadios. Ele mentia. Não era amigo de ninguém.

Exceto Taehyung. Ambos pareciam cada vez mais próximo. Seria bonito se não me doesse profundamente. Eu apenas queria o bem do meu menino, eu queria vê-lo sorrir depois de tanto tempo, queria que ele se sentisse acolhido no meio de pessoas como ele. Parece que funcionou tão bem ao ponto de funcionar mal.

Definitivamente não eram amigos, mas bons amantes.

Todo o tempo que ele gastava comigo agora era gasto com Taehyung.

"Não deveria ser tão possessivo assim, ele nunca foi seu, Jimin. Você deveria aceitar que ele nunca te amou. E como punição você irá amá-lo até o fim da sua vida." Eu desenvolvia um monólogo de pura insensatez.

Se eu pudesse trazê-lo de volta pra mim, eu não iria pedir para ficar comigo, dramatizar e contar o quanto eu sofro, nem nada, queria poder apenas perguntá-lo: O que ele tem que eu não tenho?

Era curiosa a forma como funcionava o ser humano. Saber que existe algo incrível que nos faz conseguir controlar os movimentos das nossas mãos e como o lado direito não era exatamente igual ao esquerdo e, mesmo assim, éramos perfeitos. Mas saber que o fato de sermos pensantes nos fazia idiotas, nos fazia enxergar feiura em tudo o que existe de mais bonito.

Quando eu me via no espelho, algo parecia feio. Eu era errado como todo ser humano.

"Você não vai comer?" Questionou preocupada, afagando meus cabelos.

Fiz que não com a cabeça, encarando a porcelana vazia na minha frente.

"O que houve, não tem fome?!" Parecia estranho pra ela, também era para mim. Eu não podia dizer que tinha fome, eu não podia continuar fazendo o que sempre fiz.

Inventava milhões de desculpas para nunca comer nada que minha mãe fazia. Todos os problemas que eu tinha, eu os trazia pra ela também. Ela que amava cozinhar, não fazia mais nada tinha semanas, não havia ninguém para comer e dizer o quão bom estava.











Manhã de sábado. Eu sempre acordava mais tarde, quando o almoço já estava para ser servido. Sentava-me à mesa e aguardava ansioso para descobrir qual seria o banquete de hoje.

"Eu fiz uma coisa que você gosta." Ela dizia ao retirar a larga travessa do forno e colocar sobre a mesa.

O aroma que exalava da comida era tão incrível quanto seu visual. E quando você comia, parecia ainda melhor quando você sentia o amor com qual ela cozinhava especialmente para ti.

"Ficou incrível, mãe!" Eu elogiava ao finalmente terminar de comer.

Sentia-me verdadeiramente satisfeito, não era a sensação de peso por comer demais, era uma sensação muito melhor que isso.

Assim que me levantei da mesa para retirar a louça, depositei um beijo em sua bochecha, agradecendo-lhe como todos os dias eu fazia, por todas as coisas que ela fazia por mim.











Espero que você me perdoe, mãe.

Eu estava fazendo por amor, algo que as pessoas não fariam por nada. Eu comia um ou dois pratos na abstinência total, apenas para manter-me nutrido e desfazia-me daqueles atos ajoelhado no azulejo do banheiro. O resto dos dias eu vivia de água e ar.

No começo era incomodo, mas depois eu me acostumei a viver vazio.

Comecei a correr pelos quarteirões como se minha vida dependesse daquilo, socava as paredes com as luvas de boxe e pulava corda vez ou outra. Eu terminava exausto - quando não terminava caído pela falta de energia causa da pela não digestão de alimentos.

Minha rotina tornou-se um inferno. De manhã os estudos, de tarde os treinos, de noite a tentativa de descanso enquanto insistia em pensar se tudo aquilo que eu fazia surtiria efeito e também sobre coisas como interpretações variadas do significado do meu próprio nome, já que haviam quarenta e seis hanjas para "ji" e outras vinte e sete para "min". Coisa demais para um nome tão curto.

Você provavelmente me viu sorrir nesses últimos dias, mas deveria saber que foi tudo de mentira. A verdade mesmo nem viu, não me viu desmaiar, não viu o sangue no meu rosto, não me viu cair no chão, não me viu chorar, porque você não estava aqui. Você não vinha à escola mais.

Toda vez que eu tento me aproximar de você, é como se insistisse em me magoar. Sempre tem o mais velho do seu lado pra não me deixa chegar tão perto. Têm as mãos dadas e uma troca de afeto que eu nunca vi antes, em todos os seus quinze anos, fazer com ninguém.

Eu talvez fosse apenas a saideira dos seus sentimentos.




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