QUINZE

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Sinto minhas pernas bambearem quando Felícia aparece na porta com a filhinha. Ela está concentrada em falar algo para a garotinha e a menina parece não dar atenção. Eu as fito do outro lado da rua ainda segurando a porta do táxi. Não sei bem se continuo a fazer o que estou fazendo, ou se entro no carro e volto para casa.
Na minha garganta, eu sinto um nó se formando. Aperto a fotografia de Louis e da irmã entre os dedos, amassando-a. É uma sensação esquisita que se instala em meu peito, algo como um aviso em neon, acendendo e apagando em minha frente. Gritando para que eu vá embora, vá para Louis.
E estou aponto de fazê-lo quando ouço uma voz.
- Hey! Harry!
Pisco alarmada, como se tivesse levado um tapa. Observo Felícia acenando do outro lado da rua. A menininha agora está sentada na grama brincando de boneca. Forço-me a sorrir e por mais que minha consciência diga o contrário, eu caminho até a cerquinha de madeira da casa da mulher.
- O que faz aqui tão cedo? – ela pergunta ao se aproximar, abrindo a cancela.
Eu passo por ela, caminhando automaticamente sobre as pedrinhas e indo até a varanda de sua casa. Observo as paredes de madeira pintadas num tom branco, mas amarelado com o tempo. Há algumas plantas penduradas no teto, descendo até quase o chão. De repente sinto frio.
- Eu... eu... – olho de um lado para o outro, perdido num emaranhado de sentimentos estranhos, pesados. Suspiro como se estivesse cansado. – Vim lhe devolver isto – ergo a mão, exibindo a fotografia completamente amassada. Eu coro, envergonhado pelo que fiz. – Eu sinto muito por tê-la levado...
Felícia me abraça.
- Ah, Harry... – ela diz em tom calmo e melancólico. – Também sinto sua falta... e... e aquilo que você fez no aniversário de Jaz foi tão lindo... como conseguiu fazer aquilo e não se desmanchar em lágrimas? – ela se afasta e limpa as lágrimas que caem dos olhos com as costas das mãos. – Eu mesma não aguentei ver. Tive que sair.
Se minha cabeça já era uma zona, imagine depois dessas palavras. Simplesmente contraio os lábios e dou alguns passos para trás, tão perdido quanto se pode estar.
- Eu não entendo... – murmuro e meu peito aperta ainda mais. – Eu não entendo! – minha voz ecoa alta e áspera, meus olhos se enchendo de lágrimas.
De uma hora para outra tudo ao meu redor parece querer me atropelar. As imagens diante dos meus olhos parecem conter uma essência feroz e devastadora. E a dor em meu interior se torna exterior, tomando-me por completo. Levo as mãos às têmporas, tentando diminuir a intensidade de tudo, porque as coisas estão me machucando como uma chuva de agulhas.
- Também dói em mim, acredite – ela diz, segurando meu ombro e acariciando delicadamente. – Desde o acidente as coisas nunca mais foram as mesmas...
Acidente. A palavra me atinge como um soco no estômago, ou pancada na cabeça. É como se ela fosse o que faltava para me derrubar, para expor as coisas ali, na minha frente. Eu procuro um apoio, algo que possa me manter de pé, porque tudo o que faltava – todas as peças que haviam sumido, reapareceram numa chuva torrencial tão violenta que não consegui mais conter as lágrimas.
Aos prantos, olho fixamente para Felícia e digo:
- Preciso que... posso chamar meu primo até aqui? – minha voz sai de forma impaciente.
- Claro... Mas, vai ter que ficar aqui até eu voltar. Tenho que levar Jaz para a escola. –Felícia assente e com dificuldade, eu ligo para Liam.

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