De volta

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O silêncio tomara conta do lugar onde estávamos. Eu não ouvia mais a voz de Marie, mas também não ouvia a de Sebastian. O cheiro de morte se fazia cada vez mais presente e, com isso, trazia à tona memórias até então esquecidas... Memórias do acidente...

— Papai! — Eu chamava por ele na esperança de que isso fosse salvá-lo, fazê-lo se levantar de alguma forma...

Os choros e gritos do papai se sobrepunham ao som do fogo que se espalhava rapidamente pelas salas e corredores da mansão. Eu corria em busca de ajuda, qualquer um que pudesse ajudar... Qualquer um...

Foi quando aquelas mãos frias e fortes me seguraram pela primeira vez, meus olhos embaçados pelas lágrimas encaravam o vermelho lascivo dos olhos à minha frente. O mordomo pessoal do meu pai que, por algum motivo, tinha sido expulso da mansão naquela mesma tarde agora me abraçava e passava a mão em meus cabelos. Ele, que sempre manteve certa distância da filha de seu mestre, agora estava ali, tão perto...

Naquele momento percebi que eu só tinha a Sebastian e ele sempre seria fiel a mim e somente a mim.

— My lady? — A voz de Sebastian me trouxe de volta ao presente, abri os olhos e encarei o vermelho agora gentil de seus olhos. Eram os mesmos olhos de tantos anos atrás...

— Sebastian...

Comecei, logo olhando para o lado e vendo o corpo mutilado de Marie. Ela parecia ter sido atacada por um animal selvagem: o que restara da cabeça estava jogado para longe do corpo, que estava igualmente agredido. Botei a mão na frente da boca, tentando controlar a ânsia de vômito que a cena me causara... Sebastian tinha mesmo feito aquilo?

— Não olhe, por favor, my lady... — Sebastian chegou mais perto de mim, abraçando-me e me virando para o outro lado para tirar "aquilo" do meu campo de visão. — Não quero que a senhorita veja algo tão repugnante, ainda mais tendo isto sido feito por mim.

As mãos de Sebastian estavam molhadas. Sentia meu vestido ficar umedecido onde ele estava tocando... Passou pela minha cabeça a imagem das mãos dele sujas de sangue, as mãos que destroçaram um corpo com tamanho ódio há poucos minutos e agora me abraçavam tão gentilmente.

Muitos poderiam achar isto nojento e repugnante mas... Eu não.

Sebastian era um demônio, não importa o quão gentilmente ele me trate ou quão doces sejam seus olhos... No fim, esta era a natureza dele. Mas, mesmo sabendo disso, senti meu coração falhar uma batida tão logo senti os braços dele ao meu redor.

Ele era o único em quem eu confiava e com quem eu sabia que sempre estaria segura...

— Obrigada — Suspirei, deixando todo o cansaço que vinha segurando tomar conta de mim e me levar "para os braços de Morfeu".

Antes de pegar no sono por completo, lembro-me vagamente de sentir os lábios frios de Sebastian em minha testa. O frio daquele toque arrepiando-me de leve enquanto eu ia perdendo a consciência aos poucos.

...............

Minha cabeça doía. Doía muito.

E o gosto estranho cada vez mais presente na minha boca me fazia ficar cada vez mais enjoada e com ânsias de vômito. O que quer que fosse aquilo em minha boca, era meio pastoso... Logo não aguentei e me sentei, cuspindo aquilo e tossindo em seguida.

— O-oh! My lady, a senhorita está bem?! — A voz preocupada de Marye saiu um pouco mais esganiçada que o normal, fazendo com que meus ouvidos doessem um pouco num primeiro momento.

Eu assenti enquanto terminava de despertar, logo senti um peso na minha cama, abri um pouco mais os olhos para ver que Alois acabara de se jogar praticamente em cima de mim.

Devorar-te-ei: memórias póstumas de um amorOnde histórias criam vida. Descubra agora