Fim do Dueto

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- Eu já disse que não consigo!

Minha voz ecoou pela sala ampla e vazia. A única luz no local era a que conseguia passar pelas brechas das pesadas cortinas que cobriam as janelas de ponta a ponta na parede à minha esquerda.
Eu conseguia distinguir a silhueta de Sebastian mesmo na penumbra, mas não precisava vê-lo para saber que estava se divertindo com a situação...

- Se as coisas continuarem como estão, eu não poderei estar lá para protegê-la sempre, my lady...

A voz de Sebastian soou branda e séria, não sarcástica ou divertida como de costume. Isso fez com que eu retesasse por instinto, com medo daquele comportamento tão atípico. Para muitos poderia ser pouco mas, pra mim, qualquer mudança na minha relação com Sebastian parecia um grande e problemático evento.
Ainda mais considerando o que havia acontecido. O que vinha acontecendo...
Nosso laço, que sempre fora inabalável, agora começava a ceder aos poucos, a queimação que eu sentia sobre a marca em meu peito podia ser só coisa da minha cabeça, mas tinha um infeliz e racional significado.

- ...É seu dever me proteger, estar lá quando preciso... - falei com os dentes cerrados, desviando meu olhar para o chão mesmo que não conseguisse fitar meus próprios pés.

- A senhorita tem o terrível dom de se meter em problemas, isso não facilita meu trabalho.

- Você é um demônio, nada é difícil para você.

Um silêncio se seguiu, ao ponto de me fazer imaginar se ele não tinha saído e me deixando sozinha na sala, mas a luz que vinha da janela entregava sua forma, revelando apenas parte do corpo rígido e com uma postura invejável do meu mordomo.

- Nem tudo é fácil, também. Eu estou ocupado com as investigações externas...

- E só por isso você não vai estar lá caso uma emergência surja?!

Eu me exaltei, mesmo sem ter nenhum motivo pra isso, o que fez um novo silêncio pesar sobre nós. Eu, que sempre fora tão controlada e racional, sucumbia e afundava cada vez mais nos meus próprios sentimentos. Não bastando os joguinhos mentais de Sebastian, ainda havia a problemática do Ciel e todo o mistério que o rodeava, além do verdadeiro desastre que minha reputação havia se tornado. Eu era praticamente uma viúva suspeita dos mais variados crimes contra a côrte inglesa, como se eu fosse capaz de tal...
Não havia como eles saberem, claro, mas, se eu fizesse algo eles jamais iriam descobrir. Eu não deixaria tantas pontas soltas...
Sebastian não deixaria tantas pontas soltas.

Uma explicação para o comportamento estranho de Sebastian surgiu novamente em minha mente. Começou como uma ideia idiota e insignificante, uma mera coceira incômoda em meus pensamentos, mas aos poucos foi tomando cada vez mais sentido e força, ao ponto de dominar por completo meu raciocínio​.
A marca do contrato estava enfraquecendo e Sebastian não precisava vê-la para saber disso. Nossa união "obrigatória" aos poucos ia se tornando mais e mais sem sentido e sem importância, ao mesmo tempo em que nos afastavamos. Nossas mentes sempre funcionaram em conjunto, mas agora ele não notava nem mesmo minhas mentiras mais descaradas, deixava passar até mesmo o estado angustiante em que eu me encontrava...
Aquela mulher havia feito alguma coisa. Algo que eu não sabia explicar ou como corrigir, mas algo que me fazia tremer por dentro.
Sebastian não parecia disposto a fazer algo para mudar aquilo, de qualquer forma, e isso era o que mais me machucava e irritava ao mesmo tempo...

Eu joguei o florete no chão, sentindo o punho dele cair sobre meu pé direito e o puxando pra trás por reflexo. Não dava pra acreditar que, de uma hora pra outra, minha vida havia virado de cabeça pra baixo e começado a piorar drasticamente... Isso considerando que ela já não era tão boa.
Só de pensar que alguém estava por trás disso, se certificando de arruinar minha vida de uma forma sádica e gradativa... Fazia o sangue me subir à cabeça. De repente, aquela sala vazia e escura fez eu me sentir sufocada. Talvez fosse a necessidade de ar puro ou a presença de Sebastian a poucos metros de distância que me sufocava, eu não sabia, mas eu precisava sair.

Devorar-te-ei: memórias póstumas de um amorOnde histórias criam vida. Descubra agora