Lucidez

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Naquele mesmo dia, eu voltei para casa um pouco mais tarde que o habitual. Eu não costumava ficar fora depois do escurecer, além de não gostar do clima pesado das noites do centro de Londres, tinha medo das criaturas que poderiam se esconder nas sombras. Mas, mesmo assim, o medo de voltar pra casa sozinha e andar pela minha enorme mansão sem Sebastian ao meu lado era... enorme. Quase tão grande quanto a dor que eu sentia ao lembrar que ele havia me deixado.

Bastou uma brecha e ele se foi, tão rápido quanto havia surgido na minha vida. Talvez eu tenha sido um fardo para ele por todo esse tempo, afinal, fui o legado que meu pai lhe deixou. Se por pena ou lealdade, não sabia se um demônio era capaz de sentir qualquer uma das duas coisas por alguém que não era seu amo, ele ficou comigo até eu ter idade o suficiente para selar um contrato. Tudo era benéfico pra ele, se eu não fizesse tudo ser tão difícil  sempre...

Quando cheguei em casa, ignorei as perguntas educadas e servis de Meyrie, indo direto para o meu quarto e me jogando na cama. Eu tinha coisas mais importantes com as quais me preocupar, então por que continuava permitindo que Sebastian fosse a única coisa em meus pensamentos? Talvez todos estivessem certos sobre mim... Eu não passava de uma herdeira mimada e mal acostumada pelo seu fiel mordomo. 
Eu respirei fundo e enterrei meu rosto nos travesseiros, deixando o silêncio do quarto pesar sobre mim e refletir minha insignificância ali, como herdeira do sobrenome Kyotsu...

Ouvi batidas na porta e resmunguei que, quem quer que fosse, fosse embora, mas as batidas se repetiram mais duas vezes até que eu levantasse o rosto e encarasse a porta mal humorada. 

- O que foi? - indaguei, sem fazer muito esforço pra soar educada ou interessada de fato.

A porta se abriu, revelando Meyre, que carregava uma bandeja com uma xícara apoiada no centro da mesma. Eu não havia falado nada sobre a partida de Sebastian, mas apesar de atrapalhados, os quatro funcionários da mansão Kyotsu não eram burros. Eu me sentei ao ver o sorriso preocupado nos lábios de Meyre, que se aproximou e me estendeu a xícara de chá. Eu aceitei a mesma e assoprei o liquido de forma distraída para esfriá-lo um pouco.

- My lady...? - Ela chamou, hesitante.

- Sim?

- A senhorita está bem? 

Eu ergui meu olhar a ela e hesitei em responder, voltando a olhar para o liquido na xícara em minhas mãos e soltando devagar o ar de meus pulmões. 

- Estou sim, obrigada pela preocupação, Meyre. - eu respondi por fim, tentando convencer a mim mesma daquelas palavras - Antes que eu me esqueça, prepare um vestido para amanhã à noite. Pode ser o azul, aquele que encomendei da França.

- Como desejar, my  lady... - Meyre se curvou e foi até o armário, pegar o vestido para começar a prepará-lo. - A senhorita irá sozinha?

- Chamei o Alois pra ir comigo... - suspirei, um pouco desanimada - Só espero que ele não cause nenhum problema para nós dois. 

- Se ele causar problemas, my lady pode sempre fingir que não o conhece. - ela tentou me animar com o comentário, mas apenas arrancou um riso fraco dos meus lábios. - Se me permite dizer, my lady... A melhor forma de chegar em uma festa após o escândalo envolvendo vosso nome, é com um belo sorriso e com confiança. A senhorita sabe que não tem culpa de nada, não se deve deixar abalar por isso. 

Eu levei meu olhar até ela, sorrindo de canto. Meyre era a mais atrapalhada da mansão, mas era a com o coração mais puro também, apesar de seu trabalho anterior. Eu estava cercada de boas pessoas e ela tinha razão, não devia ficar amedrontada pelos cantos, era isso que todos queriam e esperavam. Mas eu tinha uma reputação a zelar. 

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⏰ Última atualização: Aug 11, 2022 ⏰

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Devorar-te-ei: memórias póstumas de um amorOnde histórias criam vida. Descubra agora