2. Dias de Cão

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Meses se passaram e aqui estou eu em um dos momentos mais difíceis, e prestes a entrar no lugar onde eu nunca pisei meus pés por puro orgulho e vários pensamentos me vinham a memória.
Nunca me vi interagindo ou idealizando os sonhos dos meus pais. Eles sim eram bons e humildes e não se importavam em ajudar as pessoas. Já eu, era diferente deles e preferia viver em festas, shoppings e tudo mais que fosse prazeroso. Sim o egoísmo em pessoa. Prazer eu!
Não é fácil seguir em frente depois de perder todos que eu  amava, mas devido meu egocentrismo, não era capaz de assumir, nem mesmo para mim, quanto mais em voz alta para os outros. E se contar que a culpa foi minha é ainda pior. Eu que deveria ter morrido naquele acidente e não eles.
- Emmanuelle! Seja bem vinda! - uma mulher com um crachá identificado por Japsen sorriu, aparentemente tentando ser agradável, mas os olhos dela demonstravam pena e eu não quero que ninguém tenha pena de mim. Ninguém!
- Obrigada.
- Tem certeza que esse é o melhor lugar para Emma ficar? - a responsável pelo lugar perguntou.
- Foi escolha dela, senhora Japsen.
- Emmanuelle... Reconsidere...
- Sei o que deve estar pensando... Mas além de não ser tanto tempo assim, vai ser bom.
- Ainda não sei em que será bom.
- Prometo que um dia eu explico...
- Precisa ter consciência de que as garotas aqui são...
- Tenho noção de que a realidade delas, em partes, é bem diferente da minha... Mas eu quero fazer isso.
- Sabe que se mudar de ideia, a qualquer momento, pode voltar atrás... E me ligar.
- Eu sei senhora Harper... Agradeço por isso. Mas vou ficar e se possível, me deixem ficar com as garotas.
- Quer ficar no mesmo quarto que alguma delas? Tipo, dividir tudo?
- Como vou me identificar com elas se não passo pelas mesmas coisas que elas?
- Penso como a Japsen... Não devia ficar aqui.
- Meus pais morreram... O que mais eu tenho?
- Você tem tudo o que qualquer garota aqui deseja...
- Correção.... Eu tive tudo... Minha família era meu tudo. E eles não estão mais aqui... - claro que eu falava com culpa explícita por mim mesmo.
- E você e o mundo inteiro sabe que não foi culpa sua.
- Quem garante?
- Emma... - Harper tentou usar sua chantagem emocional, mas sem sucesso.
- Vou mandar providenciar um quarto pra você e já volto. Enquanto isso, Harper tenta te convencer a mudar de ideia.
- Não vou mudar de ideia.
- O que pretende fazer quando resolver sair daqui? - Harper perguntou assim que nos vimos a sós.
- Harper, não posso fazer muita coisa. Até mesmo para assumir os negócios da família... Então preciso que continue  me ajudando e te prometo que não vou esquecer jamais disso.
- Sabe que se após completar seus vinte e um anos, não pode demorar a se pronunciar, pois seus pais sempre tiveram patrocínio para tudo e
alguns acionistas de algumas empresas sempre tentaram convencê-los a vender a empresa aqui.
- Posso não entender de negócios. Mas essa ONG sempre foi o sonho dos meus pais e mesmo eu não estando por perto, sei o quanto batalharam por isso. Então, está fora de cogitação.
- A senhora Japsen vai repassar todo o relatório pra você.
- Mas com discrição. Não quero que as outras garotas saibam de quem sou filha. Nem mesmo os funcionários. Ou melhor, ela repassa pra você, e você só me repasso o que realmente precisar.
- Qual o seu plano afinal de contas? Poderia estar indo pra uma boa faculdade...
- Vou ficar aqui... Falta poucos meses, e depois vejo o que faço. E outra, vai que aparece algum parente desaparecido de um dos meus pais, e reclama os bens?
- Você é a herdeira de tudo.
- Não deveria...
- Emma... Não se culpe e não adianta negar... Eu sei que se culpa pela morte deles. Mas tem coisas que acontecem e nós não sabemos explicar. E muito menos o poder de voltarmos tempo para mudar.
- Nisso você tem razão. Mas posso tentar fazer diferente. Tentar ser melhor.
- Se precisar de mim... É só me chamar. Me ligue sem pestanejar, mesmo de madrugada.
- Obrigada Harper.
Toda aquela conversa foi digamos desgastante. Eu na realidade não sabia o que esperar ou o que poderia acontecer.
Comecei dividindo um quarto com mais duas garotas Judith e Sasha que pareciam ser legais, mas não dividíamos nada além de bom dia, boa noite e coisas assim. As refeições e algumas atividades era realizadas com as mais diversas garotas. Não sei dizer o tanto de meninas que aqui vivem, e fora as refeições, o único momento que percebi estarmos juntas com as criancas de várias idades e adolescentes até os dezessete anos. Eu já havia passado dessa idade.
Tudo tem horário estabelecido. Sono, atividades escolares, banhos. Até mesmo os momentos de lazer, que eu preferia não ter.
- Emma... - Judith uma das garotas com quem dividia o quarto me chamou.
- Não vem conosco?
- Melhor deixar de ser anti social. - Sasha retrucou.
- Se isso era pra ser um elogio, obrigada! - sorri sarcástica.
- Estou tentando fazer você se enturmar. Ninguém aqui vive num mar de rosas e se você acha que sua vida é pior que a nossa, surpresa! Não é!
- Nunca disse isso!
- Mas se comportar  como se fosse! - ela rebateu.
- Faz assim, você desce com a gente, se não gostar, eu volto com você! - Judith propôs.
- Qualquer coisa, volto sozinha. Não vou prejudicar seu lazer.
- Depois decidimos isso. Juntas Okay!
Sem mais palavras, levantei da minha cama e tentei pelo menos dar um jeito no meu cabelo e meu rosto que estavam quase um desastre.
Ao chegarmos ao parque externo da grande casa, notei que praticamente todas as meninas estavam mais do que animadas e sinceramente fiquei curiosa com o que seja lá que for que estivesse dando tanto animo a elas.
- Vamos nos mexer! - Sasha sorriu, acho que pela primeira vez na minha frente.
- Uau! Bom saber que a Sasha está feliz!
- Ela sai daqui no mês que vem... Então o baile será o último dela aqui.
- Sasha já vai sair? E que baile é esse?
- Uma pergunta por vez! - elas sorriram - Uma vez P or ano, tem um baile especial. A maioria de nós não tem nenhuma lembrança dos pais, e temos a oportunidade de sermos adotadas.
- Claro que essa realidade só é mais próxima das garotas menores.
- Isso é verdade. Conforme ficamos mais velhas... A única coisa que a instituição ajuda, é em arrumar um emprego e uma casa pra morarmos. As mais esforçadas, tentam uma faculdade.
- Vai tentar a faculdade não vai Sasha? - me animei um pouco.
- Pode ser que sim... Mas já pesquisei cursos de moda.
- Estilista? Isso é ótimo!
- Ótimo? - ela arqueou as sobrancelhas intrigada - Não se parece com alguém que gosta de moda. Desculpa mas não se veste ou se preocupa com vaidades.
- Pode acreditar.. Um dia já fui ligada nessas coisas.
- Então... Vamos poder escolher vestidos e sapatos de saltos para usar no baile? - Judith exclamou mas sua voz não parecia ter ânimo algum.
- Saltos não são monstros! - Sasha rebateu.
- Você fala isso por que nasceu com dom de andar de saltos!
- Posso tentar te ajudar...
- A... A... Ajudar? Como?
- Treinando nas horas vagas... - expliquei.
- Como vou treinar? Não temos saltos aqui?
- Isso é o de menos... Podemos fingir que temos um...
- Acho que você está ficando maluca!
- E ai novata! O que está achando de sua nova casa? -uma voz arrogante falou e era óbvio que era comigo e as meninas estavam pasmas, olhando-me seriamente.
- Melhor que a minha antiga... - falei sem levantar os olhos.
- Seus pais não lhe deram educação? Sabia que pra falar com as pessoas é educado olhar pra elas, olhos nos olhos!
- Eles me deram educação sim... Mas parece que você não foi bem educada ao falar comigo. - a encarei - Primeiro, meu nome é Emma e não novata. Segundo, respondi sua pergunta, agora com licença, vou ajudar com as crianças menores.
-Quem você pensa que é? - a garota de cabelos castanhos lindos, e olhos claros como mel segurou meu braço, chegando a marcar seus dedos.
- Não penso em quem eu sou... Agora se me der licença...
- Algum problema aqui? - ouvimos a voz de uma das supervisoras do lugar perguntar.
- Sim Ivana, só estamos conhecendo melhor a novata... Oops, quis dizer Emma?
- Aprende rápido! - rebati.
- Pois bem... Não quero problemas Ester. Com ninguém aqui, entenderam?
- Sim senhora!
- E aonde pensa que vai Emma?
- Ajudar com as crianças pequenas. Vejo que elas estão querendo brincar... Posso? - perguntei. E isso era coisa mais rara na face da terra. Nunca em minha vida eu perguntaria algo assim, até mesmo aos meus pais.
- Pode, mas como falei, sem problemas. E obedeça as ordens.
- Sim senhora. - respondi já me encaminhando na direção das crianças menores percebendo Judith e Sasha atrás de mim.
- Você é maluca? - a primeira sussurrou.
- Por quê?
- Responder daquela maneira a Ester? Ela vai fazer sua vida se tornar vida de cão!
- Não mais do que já é... Mas é melhor ela ficar na dela.
- Emma... A Ester, em partes, não é como nós...
- Como assim?
-Ela já tem vinte e um anos... E não saiu daqui. Ninguém entende o motivo... Mas ela acaba sendo como se fosse uma supervisora... Entre nós mesmo.
- E por isso preciso abaixar a cabeça pra ela? Sério isso? - falei pegando um menininho de uns dois anos que estava chorando, sentado no chão
- Você não é de sair muito do quarto, e nem tem aulas com ela ou com a turma dela... Mas vai por nós... Fica longe!
Agora, além de meus próprios dilemas, eu tinha mais preocupações em mente e elas giravam em torno da garota por nome Ester.
Quem era ela e que mistério girava em torno de sua 'não saída' da instituição e por que eu deveria ficar longe dela, se bem que com a forma que ela me abordou a pouco, ela não estaria nem de perto na minha lista de pessoas que desejo ter a amizade.


***

Uma Ester dessas quero longe!
Logo mais, mais drama, esperanças... Comentem, votem... Indiquem bjs happy happy 2016 #SanStyles

Redenção de mim!Onde histórias criam vida. Descubra agora