3- O confuso mundo dos eus

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Lília estava deitada na cama coberta por uma colcha estampadas com girassóis. Ela adorava o amarelo, a cor do sol, a cor do fogo. Por isso, em seu quarto, desde o carpete às cortinas, o ouro-velho era o tom dominante. Nas paredes bege claro enfileirados três posters de antigos astros do cinema, pois Lília era vidrada em cinema. Ao lado da cama, uma estante tomava quase toda a parede da esquerda. Ali estavam seus discos, álbuns, livros e um moderníssimo conjunto de som. As vezes, ela curtia música moderna, mas, quando o seu amarelo ficava turvo, preferia os clássicos, que a ajudavam a sair da depressão.

Baixinho, estava tocando a música "fall", do Justin.
De bruços, as pernas dobradas para cima, ela mordia a ponta da caneta, enquanto olhava para o diário aberto sobre a cama. No alto, a data e o dia da semana. Abaixo, havia escrito: "Tarde de sol, bem depois das seis e meia, um calorão danado. Por que a vida é tão difícil?"
Após haver grifado a palavra difícil, Lília mordeu mais forte a caneta, como se forçasse uma reposta. De repente, tocada por uma súbita inspiração, foi escrevendo e dizendo em voz alta:
"Em meu coração jovem há tantos caminhos que não consigo percorrer! Por que sou assim tão contraditória? Agora estou triste.. Agora estou alegre.. Aqui estou radiante mas, ali adiante, sou toda lágrimas! Por que não aprendo a caminhar sem ter destino até o encontro dos braços que me amem? Braços que me aqueçam... braços que tirem de mim todo o sol que tenho para dar ao mundo!"

Justin era excelente para ajudá-la a encontrar caminhos, no escuro um pouco de seu universo. Mozart também.
- Os artistas devem ter conhecido esta angústia que estou sentindo agora - disse, pensativa, fechando o diário.
- Ó Cecília Meireles, por que você não vem me ajudar a entender este meu coração maluco?
A melodia chegou ao fim e, com um salto, ela desligou o aparelho. Exatamente quando a porta foi aberta, e Alice apontava:

- sua mãe...
- ... mandou dizer que o jantar está na mesa. Ei, Alice você viu?
- viu o quê, Lília? - perguntou a empregada, surpresa.
- A cintura de mamãe. Ficou mais fina? Ela já pode concorrer com as dançarinas, rebolando nos programas de televisão?
- Ora, que falta de respeito! - falou a empregada, fechando a porta, enquanto Lília caia na risada.
Em seguida, emendando um suspiro, deu uma olhada no espelho. A mãe não gostava que se sentasse despenteada à mesa. Ai, deu um beijo no urso azul-descorado em cima do criado-mudo.
- Adoro você! você é o único que me entende nesta casa! - assim dizendo, saiu, fechou a porta e desceu. A escada era forrada com passadeira grossa, ninguém ouvia os passos de quem subisse ou descesse. O pai, sentado, lia o jornal. O televisor estava ligado, sem som.

- Oi! - cumprimentou ela, dando-lhe um beijo na testa. Depois, afundou-se no sofá e, pegando uma almofada, abraçou-a. - Ressuscitou muita gente hoje, papai?
Dr. Rui dobrou o jornal, esticou o braço e passou-o sobre o ombro da filha. Sorriu. Olhou-a de perto.
- você sabe que seu pai é obstetra. Portanto, é muito difícil ressuscitar gente.
- e nenês não são gente? Quando eles nascem antes do tempo, não é preciso colocá-los na incubadora? Isso não é ressuscitar? O médico respirou fundo.
- deve ser fantástico ver nascer um nenezinho de sete meses, pouco maior que a mão da gente! - disse Lília, com os olhos brilhando. - como é que uma coisinha dessa pode ficar "destamanhão"? - e olhou para o próprio corpo.
- É isso mesmo que eu sempre me pergunto! - concordou o pai. - você também, quando nasceu, era pouco maior que a minha mão e, agora, está... "destamanhão".

A filha sorriu. O pai era jovem, bonitão, moreno de cabelos ralos, com entradas, o que lhe dava maior charme. Tinha olhos negros - e os olhos ela havia herdado dele. A pele muito clara tomava um assombreado pela barba escura que ele cortava todas as manhãs.

- pela segunda vez aviso que o jantar está na mesa - disse a mãe, surgindo no vai da porta. - Vocês gostam mesmo de comer comida fria, não é?
O sorriso morreu no rosto de Lília, que se endireitou no sofá.
- quantas vezes tenho que repetir para você parar com essa mania de abraçar almofadas como se fossem bonecas, Lília? - criticou dona Flávia. - você já está com 16 anos, não é mais uma criancinha, precisa ter boas maneiras!

| me perdoem, se o capítulo tiver ficado muito grande! apenas me empolguei. E me desculpem qualquer erro, é a minha primeira experiência. Então, espero que entendam.|

A ladeira da saudadeOnde histórias criam vida. Descubra agora