"Há dois anos, os meus pais foram chamados à escola, para lhes contarem aquilo que eles nunca imaginariam, que eu me cortava, e o pior é que a culpa de o ter começado a fazer , era deles.
Para muitos a automutilação é uma forma de chamar à atenção, mas a verdade, é que só quem está dentro desse mundo sabe o porquê de tudo e o quão difícil é parar.
Automutilo-me há seis anos, sim, escrevi no presente, porque apesar de não ser com a mesma frequência, ainda o faço, e por muito que tente não consigo parar. Não é fácil, já me pediram inúmeras vezes para prometer que não o voltaria a fazer, mas não o posso fazer, não posso prometer algo que sei que posso não ser capaz de cumprir. Se fosse assim tão fácil, já teria parado há muito tempo.
A vida é uma shit e cada um tem os seus mecanismos para aguentar com as adversidades da mesma, e infelizmente, este foi o que eu arranjei.
Não vale a pena, dizerem que existem pessoas com problemas maiores que os meus, eu sei que sim, sei bem que as quedas e os problemas fazem parte da vida, mas também sei que cada um tem uma forma diferente de aguentar essas coisas, e esta é a minha. E enquanto que para ti isto não passa de uma estupidez e de uma coisa sem importância, a mim mantém-me viva.
Comecei a fumar à cerca de um ano para tentar substituir os cortes pelo tabaco, já tinha tentado mais vezes, mas agora sinto-me mais forte, deves pensar: "Mas tu és mesmo estúpida! Quem é que substituí um vicio por outro?". A verdade, é que fumar não é um vicio, é algo que eu largo quando quero, enquanto que a automutilação eu não consigo largar, é mais forte que eu! Já deixei de fumar pois tenho me aguentado bem, em relação à automutilação, apesar de saber que não é o fim, estou orgulhosa pois estou a conseguir, desviar esses pensamentos a cada vez que eles teimam em aparecer e nunca tinha conseguido fazê-lo!
Também já sofri bullying três vezes. A primeira foi a pior!
Eu era a menina mais pequena da escola, andava no segundo ano e elas no quarto, mas eram o triplo de mim e eram cinco, e eu apenas uma. Elas batiam-me, insultavam-me, ameaçavam-me, tiravam-me os lanches. Digo que foi o pior, porque ao contrário das outras vezes vivi isso, completamente sozinha, aterrorizada.
Tudo piorou quando de repente, comecei a ter medo de ir para a escola, fazia birras agarrada ao meu pai, batia nas professoras e funcionárias que me tentavam levar para dentro da escola, vomitava com os nervos, e tremia só de pensar no que me ia acontecer naquele dia, era um terror, e ninguém percebia o porquê de tudo..
Lembro-me de um episódio em especial, a cada vez que o relembro, parece que o revivo. Foi horrível!
Eu tinha uma visita de estudo nesse dia, já tinha tudo pago, e tudo pronto para sair de casa, e de repente lembrei-me da ameaça que me tinha sido feita no dia anterior "Se amanhã fores à visita de estudo, prepara-te, pois vais sofrer e não vai ser pouco", aquilo começou a soar na minha cabeça como um eco e eu entrei em pânico, chorei, vomitei, gritei fiz de tudo!
O meu pai só me perguntava porque não queria ir, pois antes estava tão empolgada com aquela visita de estudo. Eu, com o medo continuava sem responder, só gritava e chorava. Até que de repente gritei "Elas vão me bater", o meu pai pegou no telemóvel e ligou para a escola e pediu para falar com a minha professora, que na altura era espetacular super preocupada e dedicada aos alunos, ele falou com ela, perguntou se ela tinha conhecimento de algo ou se andava a reparar em algo nos intervalos, ela disse que não e o meu pai disse que eu já não ia à visita de estudo!
A professora pediu ao meu pai para me passar o telemóvel para falar comigo, e eu só chorava e dizia que não ia, ela sempre preocupada e a tentar perceber o que se passava, mas eu com o pânico que tinha dentro de mim só conseguia chorar, e chorar, entretanto ela mudou de tática, pôs-me a falar ao telemóvel com a minha melhor amiga da altura, que também não sabia de nada, ela acabou por me convencer, e eu fui. Passei o dia inteiro agarrada á minha professora com medo delas, nem fui á casa de banho. A professora acabou por perceber mais ou menos o que se andava a passar, e a partir daí sem eu saber, começou a vigiar-me nos intervalos.
No dia do passeio elas não me conseguiram fazer nada porque eu estive sempre acompanhada, mas no dia seguinte, assim que me apanharam sozinha, e tiveram oportunidade bateram-me, disseram que me tinham avisado e que eu não devia ter ido ao passeio, insultaram-me, mas desta vez a professora viu tudo, e nesse dia tudo acabou. Confesso que ainda hoje me custa a falar disto pois marcou-me muito, depois disto ter acontecido tornei-me numa menina mais medrosa. Apesar de sempre muito social, tinha sempre bastantes amigos, e fazia-os num instante.
Mais tarde, no quinto e no sexto ano, voltou a acontecer, mas de maneira diferente. Desta vez era a minha "Melhor Amiga" que não me deixava ter amigos para além dela, e daqueles que ela queria que eu tivesse, e se eu falasse com mais alguém ela chateava-se, deixava de me falar e virava todos contra mim. Não foi fácil lidar com isto, pois haviam imensas confusões, o que me fez ganhar muitos inimigos e mais tarde sofrer bullying outra vez, com mais ameaças e porrada. Mais uma vez superei isso, tinha de o fazer.
O pior de tudo foi quando descobri o mundo da automutilação, comecei a descontar tudo o que acontecia de mal, em mim mesma, no meu próprio corpo.
Tudo começou, numa noite de ano novo, com onze anos, quando comecei a ouvir gritos e coisas a partirem-se, e portas a bater, pensei que era apenas mais uma discussão, já era habitual quando a minha mãe bebia, pois ela descontava tudo isso no meu pai. Mas ao fim de um tempo, percebi que as coisas tinham piorado e eu tive a pior ideia que algum dia poderia ter tido, meti-me no meio dos dois e gritei a chorar para pararem, o meu pai passou-se, empurrou-me e mandou-me para o quarto. Eu fui!
Naquela noite, fechada no escuro do meu quarto conheci o alivio para todas as minhas dores, peguei num x-ato e deslizei-o sobre o meu pulso, tal como um lápis a deslizar numa folha, foi um alivio enorme, e não me doeu muito, a dor emocional era tão grande, o desespero era tanto que nem pensei na dor física.
Depois dessa noite, desse corte, eu achava que nunca mais iria repetir,pensava que era só uma vez. Mas enganei-me, a cada discussão mais um, mais dois, mais três cortes, cada vez mais profundos, depois passou a ser a cada dor, a qualquer coisa mínima cortes e mais cortes. Cada vez era SÓ mais uma vez. Mais tarde já o fazia até sem razão, só porque sim, apenas porque precisava de o fazer, sentia falta daquilo. Depois daquela noite , nunca mais parei! Perdi o controlo de tudo, é assustador quando perdes o controlo de algo que te pode matar, mas naquela altura eu nem queria saber.
Depois, mais tarde, desenvolvi uma anorexia! Não me podia sentir pior. Tinha tanta vergonha do meu corpo. Todas as manhãs chorava porque não gostava de me ver com as minhas roupas, ou porque eram apertadas e se via a barriga, ou porque eram curtas. Não vestia calções, saias e muito menos biquíni. Na praia era muito melhor ser alvo de gozo por estar vestida, do que por ser gorda e ter um corpo horrível! A automutilação piorou imenso, eu não conseguia mesmo parar e cada vez era pior, cada vez eram mais cortes, cada vez mais fundos. O medo que tinha de morrer já não era tão grande, até nem o fazia para morrer mas se um dia acontecesse eu não me iria importar.
Sei que é estranho mas é mais forte que eu. Apesar de já estar a ser ajudada e de já não ser tão regular, ainda tenho recaídas. Há dias tão difíceis, desesperantes, dias em que sinto que não vou aguentar muito mais, tenho dias horríveis mesmo, dias em que tenho ataques de choro, e só penso nas lâminas e no quanto acho que preciso delas. Tento ser forte mas é tão difícil.
O pior é quando achas que estás mais forte, e que já não vais cair à mínima coisa, e acontece algo que te faz perder toda a esperança, algo que te faz ter uma recaída, e é aí que tu pensas "Mas para quê? Para quê tanto esforço? Se sei que mais dia menos dia vou voltar a cair? A vida é tão horrível, e é tão irritante quando as pessoas dizem que há vidas piores ou que a vida é linda!", não consigo pensar assim, e sinceramente não consigo ver a beleza da vida, é que nem sentido tem, vivemos para morrer!
Há sentimentos que nos matam por dentro, sentimentos que não conseguimos controlar.
Pior do que morrer fisicamente, é quando por dentro tu já estás morta, mas o teu corpo continua a dar sinais, quando tu não consegues nem queres viver mais!" - Um pouco de mim!
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Um espécie de diário!
Teen FictionTentando viver, tentando sonhar, tentando ser feliz, tentando amar!