Entendo porquê você se foi, ainda que lhe odeie por isso. Entendo o quanto era insuportável. Deixava as unhas crescerem apenas para pintar de vermelho arranhando a própria pele. Estava aos gritos e às lágrimas, você tentava me levantar apenas para que me jogasse novamente. Escrevi poemas pra você. Depois quebrei todo o reboco das paredes. Poesia não é o suficiente se alguém nunca sorri de volta. Te mandei ir embora porque não adiantava e você não aguentava mais. Eram sempre as mesmas palavras. Os mesmos espaços. Recontei a mesma conversa até enjoar da minha voz mas você parou de escutar na metade da primeira frase. Eu ainda sinto frio, meu amor. Nenhum texto foi concluido desde que você se foi. Continuo do mesmo jeito de antes, a mesma entonação psicótica, mesma postura decadente, mesmos olhos inebriados. Nada fazia sentido e as suas camisas continuavam ganhando manchas. Então entendo porquê você se foi com a sua boina e as suas músicas eruditas e o seu jeito sensato e os seus olhos de céu. Honestamente não tenho mais assunto, por isso falo sempre sobre as mesmas coisas irrelevantes. Por isso me calo por dias e depois quero acabar com tudo. Finjo que haviam milhões de outros motivos e não era você. E não era você até você ir embora depois de eu te mandar ir embora enquanto te pedia para ficar. Por causa das repedidas lamentações inútes. Eu ainda me sinto enevoada, por favor. Não aprendi a usar conectivos e continuo usando tênis de velcro. Depois de todos aqueles golpes, de todas aquelas agulhas geladas, de todo aquele pus. Eu que não parava mesmo que você me abraçasse, mesmo que você me dissesse, mesmo que você se desesperasse também. Não parava mesmo. Os seus olhos ficando nublados. De novo entendo porquê você se foi, mas ainda sinto que talvez VOCÊ.
27/12/2015