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- Tia, o josé não quer devolver meu lápis! -Grita a Ana me tirando dos meus devaneios, por mais estranho que pareça a um professor relatar, eu viajo o tempo todo, coisas do TDAH!

-José por favor... Entregue o agora, você não deve pegar algo que não é seu, mesmo que você peça, se ela disser não, você tem de respeitar. -Carinhosamente o repreendo.

-Desculpa tia, desculpa Ana. -Diz ele todo arrependido, devolvendo o objeto em questão.

Nunca me imaginei como professora, mas as coisas da vida me obrigaram a tomar esta escolha e ficar por aqui.
Mountain, uma cidadezinha pacata do interior, com gente amiga, se tornou meu lar. Nasci aqui, mas quando fui fazer faculdade na cidade grande, não tinha interesse em voltar. Depois daquela tragédia mudei de curso, e assim que concluí decidi que seria aqui que ficaria para enterrar meus dias. As únicas pessoas que tenho e amo são esses baixinhos, eles me deixam tão alegre, que talvez sejam o motivo da minha existência, neles encontrei uma espécie de refúgio quando tudo parecia o fim, os dias eram cinzas. Amo a todos, mas alguns atrai a minha atenção de maneira especial como a Ana, ela é doce e dengosa, e sempre quer minha atenção, ou o José que é hiperativo, isto faz com que quando eu não estou chamando a sua atenção ele está chamando a minha, Thaís que volta e meia faz Espacates, Plié, e dá pequenos giros no ar, nossa mini bailarina, Nathan meu autista mais lindo, Luiz sempre faminto ou querendo ir ao banheiro, qualquer coisa para não ficar na sala está valendo para ele... e cada um com suas peculiaridades tem lugar no meu coração.
O sino toca e as crianças me entregam as atividades. Os pais estão se aproximando da porta para que eu possa entregá-los.

-Jhúlia! -A pedagoga me chama no final da fila, fazendo sinal com a mão.

-Só um minuto. -Respondo, procurando a auxiliar de sala, já que não poderia deixar a turma sozinha. -Carol, assume aqui por favor.

É uma escola do interior, mas particular e com altas exigências, fazendo com que as famílias mais abastadas da cidade e arredores matriculem seus filhos aqui, modelo de escola de primeiro mundo, sonho de toda professora e todo pai, baseada nos ideais de Vygotsky e outros pensadores que buscam uma abordagem direcionada para o desenvolvimento das crianças como um todo. Chego na sala da pedagoga perguntando-me qual seria a urgência que não poderia esperar, gosto de conversar com os pais, esclarecer dúvidas e fazer observações.

- Querida, aconteceu uma tragédia! -Meu coração palpita. O que pode ter acontecido e com quem?! -Os pais da Ana Netrurg sofreram um acidente de helicóptero no início da tarde, e acabaram de confirmar o óbito. -Continua ela.

-Os dois?! -Pergunto chocada.

-Sim, os dois mais o piloto e o copiloto, parece que deram várias piruetas no ar, alguma coisa nas hélices, não havia chance de sobreviventes.

Ana tão linda, ingênua e órfã?! Que crueldade da vida com essa garotinha. Ainda demoro um tempo a acreditar que aquilo está de fato acontecendo.

Comigo foi diferente, não conheci meu pai e quando minha mãe se foi eu já estava na faculdade, mas ela só tem 6 anos. Meu Deus! Coloco meu dedo indicador na fronte como que para direcionar meus pensamentos, mil e uma coisas racionais e irracionais passando em minha mente, mas pelo choque não dou atenção a nenhuma delas, não passam de um monte de flashes, não sei nem o que falar ou perguntar.

-E a Ana? Quem vai contar? Quem vai ficar com ela? -Meu coração se enche de compaixão, e decido naquele momento que cuidaria dela para que fosse tudo o menos trágico possível. Cidade do interior, logo todos estarão comentando.

- Estamos aguardando uma posição da família, mas me parece que não têm muitos parentes por aqui e...

-Posso levá-la? -Eu interrompo.

A PROMESSAOnde histórias criam vida. Descubra agora