III

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Enquanto dirijo em direção à capela, olho pelo retrovisor procurando o rosto da Ana no banco de trás, buscando qualquer traço do que está acontecendo com ela, mas ela parece tão tranquila e isso me assusta por alguns motivos, ou não se lembra do que eu falei e vai reagir muito mal, ou vai guardar essa dor e isso não vai fazer bem futuramente ou a que mais me assusta, se ela for uma pessoa pouco empática, meneio a cabeça, não posso acreditar que ela seja assim, sempre foi tão carinhosa apesar de um pouco mimada, mas cercada com tanto dinheiro e amor, que criança não seria?.
Enquanto viro à esquerda para entrar na rua do cemitério percebo que graças a Deus hoje é sábado, assim fico despreocupada dos meus compromissos semanais.

Não sei como serão as coisas para a Ana a partir de agora, mas pra mim a vida tem que continuar, só não quero me afastar... amo essa baixinha.

Quando viro à esquerda descubro que o local está lotado, muitos automóveis, carros de jornalistas e parece que a cidade inteira está ali, tenho que estacionar um pouco longe. Respiro fundo. Odeio esse lugar!

-Ana, você sabe onde estamos, sim?

-No cemitério, mas não sei pra que tia...

-Você vai poder ver seus pais e dar adeus a eles, por que eles agora estão no céu.

-Então vamos, estou com muita saudade deles tia. -Havia empolgação até, não sei se ela tem noção real do que vai ver.

Chegamos naquele local lotado, nem entramos, mas o cheiro de rosas, as pessoas, já está demais pra mim, morte, criança sofrendo e uma multidão no mesmo local abafado, não posso nem pensar em passar mal aqui. Respiro e respiro fundo várias vezes, já fazem 5 anos desde que estive aqui pela última vez.

Entramos de mãos dadas, logo reconheço a pedagoga Rose sentada em um local, aceno com a cabeça, mas não me aproximo. Passo o olhar e vejo pessoas que conheço, outras não, mas não falo com ninguém, afinal também não sou conhecida pela minha simpatia. Não depois daquela tragédia!

-Pode falar com eles querida. -Eu falo baixinho, próximo ao seu ouvido, sem esconder a emoção. Ela me olha como se não entendesse e percebo que ela não os vê. A ponho no colo e ela fita de olhos arregalados os rostos do seu pai e da sua mãe, por um pouco treme e então começa a balançar as pernas, gruda em meu pescoço, como se quisesse correr. Era medo, seu instinto de autopreservação.

-Amor, se despede, diga o quanto você os ama... -Falo sem saber direito o que dizer. Ela olha pra mim, como se eu estivesse louca.

-Por que eles estão dormindo nessas caixas? O que é isso no nariz e nos ouvidos? -Ela quase grita.

Oh ok, uma reação, mas não sei o que falar.

-Eles se foram, estão no céu, não disse pra você, que eles agora vão ver você do céu?

Ela salta do meu colo de maneira que não consigo segurá-la. E ela começa a gritar. Gritar muito alto e chorando muito.

-Mamãe, Volta! papai, Volta! Não vai pro céu, eu quero vocês aqui, preciso de vocês! Prometo que vou obedecer! Não vou mais fazer mau criação, volta! Volta!

Eu começo a chorar, não consigo segurar as lágrimas, o motorista da Ana, droga qual o nome dele?! Não estou raciocinando, pega ela no colo e a leva para uma sala conjugada, não sei o que fazer como agir, só choro compulsivamente. Sinto um braço passando por meus ombros e me tirando dali, Rafael me levou para o banheiro mas nada disse, então percebo que é hora de parar, lavo o rosto, extinguindo todo o catarro das minhas narinas, e enxugo o rosto, preciso ser forte por ela. Não trocamos nenhuma palavra ele deveria estar acompanhando sua família, vou em direção à sala que o motorista entrou com Ana a alguns minutos e lá está ela, sentada, tomando alguma coisa com uma moça ao seu lado. O motorista estava em pé próximo a porta, me aproximo dela, cheiro os seus cabelos e lhe dou um abraço. Ela volta a chorar e me abraça.

A PROMESSAOnde histórias criam vida. Descubra agora