II

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-Professora Jhúlia?

-Sim. Sou eu, quem.. -Tenho a impressão que é o motorista da Ana, mas sou cortada por um som abafado.

-Estou com seu endereço aqui e estou indo na sua casa agora. -Fala uma outra voz.

-Boa noite, quem está falando, por que está me ligando à uma hora dessas, e por que viria até minha casa? -Assumo o tom imperativo de quando repreendo alguém.

-Estou nervoso demais para desejar boa noite a quem quer que seja, meu dia foi um cão. Sou Felipe Netrurg, tio da Ana. O motivo de estar te ligando à uma hora dessas é que você não possui nenhum motivo, ou amparo legal para ter tirado minha sobrinha da escola, ela deveria ter vindo para casa e é aqui que eu a quero. -Ele tem um tom autoritário que beira quase ao ódio ou desprezo.

-Senhor Netrurg, sou professora da Ana, e jamais faria mal a ela ou qualquer um de meus alunos. Não queria deixá-la sem um familiar, a trouxe por preocupação e cuidado. Eu posso leva-la ou você pode vim busca-la, mas amanhã, definitivamente você não virá a minha casa a essa hora, nem levará uma criança que está dormindo para o frio; sinto lhe dizer. -Falo entre os dentes e de maneira pausada, evitando deixar a situação ainda mais estressante. Ele não estava errado em se preocupar, mas não vai gritar comigo, nem invadir minha casa no meio da madrugada!

-Acho que tem razão. -Ouço um suspiro profundo -Mas amanhã quero ela bem cedo aqui para o funeral! -Diz um pouco mais brando, porém ainda altivo.

-Senhor, quando ela acordar eu a levarei. Mas devemos ter em conta que ela praticamente acabou de dormir, e a julgar pelo choque da notícia, não sei como será sua noite. Ah e como ela veio direto da escola, preciso passar na casa dela para pegar roupas.

-Não concordo totalmente, mas no ponto em que estamos tenho que aceitar. Ainda não engoli o fato de que cheguei aqui e não a vi, já passei por muitos sustos hoje -Respirou -Porém não sei se tenho capacidade para lidar com ela agora, e afinal você tem razão quanto ao horário e o frio. As roupas pode deixar que eu levo. Vou deixar sob sua responsabilidade cuidar dela hoje e trazer amanhã.

-Tudo bem. A propósito onde será o velório?

-Na capela municipal. Mas não a traga tarde, não prolongaremos a cerimônia pelo estado dos corpos. -Ele adverte

-Imagino... -Suspiro pesadamente. -Boa noite então.

-Tá. -Disse desligando.

Quanta arrogância e falta de educação. Talvez seja a situação em si, mas ele foi muito grosseiro, não sei se gosto da ideia de conhecê-lo, mas preciso, afinal ao que parece ele será o responsável pela Ana. Entendo que a dor pode colocar o nosso pior para fora, mas talvez ele seja assim mesmo. Independente de qualquer coisa, só entraria em contato com alguém assim em caso de extrema necessidade.

Na manhã seguinte acordo mais cedo do que gostaria, meu corpo ainda necessita de descanso, mas o sono fugiu. Todo aquele impacto emocional de ontem me deixou exausta e hoje precisarei de forças, com todo o meu psicológico trabalhando a meu favor para me manter firme, já que enfrentarei um dos meus piores pesadelos, o cemitério. Ana ainda dorme, totalmente tranquila, acho que até sorri, eu passei a noite tendo sonhos incertos, vozes, homens gritando e eu chorando. Eu chorando? Porquê? Odeio esses sonhos que não dizem nada.
Me levanto às seis, tomo uma ducha fria e lavo o cabelo para refrescar a cabeça tentando me libertar de uma vez dos maus sonhos. Preparo o café, o que será que Ana come? não tenho muitas coisas que crianças gostam aqui em casa, estou acostumada a cuidar do meu corpo. Melhor eu ir na padaria procurar algo. Antes porém, dou uma atenção especial ao meu Spike, um vira-latas lindo que eu adotei a muito tempo, ele é uma mistura de chow chow, dou ração, troco a água e faço um cafuné, tadinho ontem á noite o ignorei completamente, até me esqueci, ele parece também estar com saudades pois resmunga baixinho, agita o rabo e se enrosca na minha perna, ele é minha única companhia e quem tem um pouquinho de demonstração do meu afeto, tenho aversão a contato. Enquanto caminho para a padaria, penso como graças a Deus de um tempo pra cá tenho mantido meu peso, já sofri com a obesidade, tive que mudar hábitos e cultivá-los, assim sou uma falsa gorda e amo isso, cintura fina, quadril um pouco largo, bumbum avantajado, alta, seios médios, mas não extravagantes, morena clara, cabelos ondulados abaixo um pouco da cintura, mas mantenho-os escovados, ás vezes ele é castanho, ás vezes parece preto, meus olhos são castanho-claros, pele corada e uma boca carnuda. Estou muito satisfeita com a minha aparência, apesar de não ter sido sempre assim.
Afasto os pensamentos enquanto entro na padaria, comprei uns pãezinhos com creme e farofinha em cima e um bolo que provavelmente ela gostaria. Volto quase correndo com medo dela acordar e não me ver. Quando estou me aproximando vejo um carro preto parado à minha porta com dois homens em pé conversando, um reconheço como o motorista da Ana, mas quem é o outro?
Alto, loiro, cabelos cortados não tão baixo, mas com fios lisos e brilhantes, uma calça jeans colada a um belo par de coxas, parecia até um cidadão local com sua blusa xadrez e um boné balançando na mão, e que bunda era aquela? Aquele par de botas, tudo lhe caía tão bem que pareciam ter sido costurados ao corpo. Ao me ver o motorista arregala os olhos e o cidadão em questão olha pra trás, Fiquei embasbacada, que homem bonito é esse?! Queixo quadrado, lábios bem desenhados, olhos verdes da cor do mar ao amanhecer, aquela barba por fazer finalizavam o trabalho o deixando perfeitamente em harmonia com o universo. Ele levanta ligeiramente uma sobrancelha pra mim, que estou corada por vir correndo, estava vestindo um macacãozinho jeans branco larguinho que vai um pouco acima do meio das coxas e uma blusinha azul. Este deve ser o tio da Ana, tiro minha expressão de surpresa e fecho a cara!

A PROMESSAOnde histórias criam vida. Descubra agora