||_Prólogo_||

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|O declive acentuado de entrada deixava-se banhar estranhamente, as luzes acenavam de forma exótica e nenhum morador daquela pequena rua se fazia presente. Era quase meia noite, e as casas enfileiradas pareciam dormir ao som da chuva. Um cheiro novo corria sobre as poças de lama que desembarcavam no jardim da pequena praça em frente à igreja de Nossa Senhora da Conceição. As luzes enfileiradas dos postes antigos eram auxiliadas vez por outra por raios que rasgavam e pintavam violentamente o céu.

Aquele conjunto de casas fazia parte de um antigo projeto residencial construído na década de 1950. Planejado, serviu de residência para vários cidadãos ilustres da política municipal. Sua arquitetura ostentava vitrais coloridos de chumbo e abóbadas simétricas, tatuadas apenas por números ímpares. Pouco mais de uma dúzia de casas se dividiam ao redor da pequena rua, separadas por uma pequena praça e guarnecidas por uma igreja oriunda do neoclassicismo. A pequena ladeira na entrada da rua era a única forma de entrada e saída. Um pequeno corredor ao lado da igreja servia como medida não convencional para os apressados, mas por lá só se podia atravessar a pé.
O tempo passou e trouxe os ventos de mudança para aqueles lados. Os dias de glória daquele pedaço da América do Sul cessaram, os ilustres moradores correram para ambientes mais claros e de alta especulação imobiliária, deixando aquele cenário para operários das novas fábricas da zona sul da cidade. Os dias correram naquela faixa da cidade e os antigos moradores e suas histórias foram se cruzando em novas histórias. Entre prazer e dissabor viveram profundamente, fazendo de suas vidas mordazes um aglomerado que jamais revitalizaria aquele espaço esquecido.
Tínhamos acabado de entrar no século XXI, estávamos no início do ano de 2007, e nesta mesma época a Rua dos Sonhos protagonizava sua história mais trágica, ganharia manchetes de revistas e jornais, teses de juristas ávidos e amantes do direito penal. Durante esses dias um emaranhado de câmeras e repórteres adormeceram sobre suas pequenas pedras de calcário.

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2007

|A casa número sete deveria, mas não estava vazia. Suas luzes em diversos cômodos estavam acessas e lá, dentro, um rio de rubro escorria. As velhas paredes estavam manchadas de sangue numa faixa de mais de dez metros, pequenas mãos torturadas riscavam com aquele líquido vermelho o primeiro andar do imóvel. No trajeto obscuro e cruel daqueles sinais tudo estava revirado, levando à ideia de uma luta corporal e uma fuga sem sucesso. O cheiro forte de sangue se misturava ao das primeiras chuvas de verão e ao tempo de morte. Entre dor e agonia, a vítima desaparecera aos gritos que, de alguma forma, permaneceriam por ali. Aos poucos as luzes foram sendo desligadas, uma a uma: as portas rangiam calmamente de cima para baixo e em poucos minutos a casa voltou a dormir. Ninguém viu nada, muito menos ouviu. O ato criminoso correu daquela casa e caiu nos noticiários, levando a "Rua dos Sonhos" às manchetes nacionais.

"ONTEM TE VI NA RUA" Onde histórias criam vida. Descubra agora