|Quando César parou em frente à escola, estava a pouco mais de 100 metros da entrada, mas mesmo assim viu quando Guilherme desceu em disparada de um táxi. Outros dois policiais civis chegaram noutro veículo para dar suporte ao caso.
César precisava de um mandato para entrar na escola.
O intervalo entre as aulas deixou vários alunos conversando no pátio central, o assunto ainda se resumia às fotos de Beatriz e a tentativa de suicídio. Diretores e professores decidiram não paralisar as aulas e trouxeram os alunos para a escola para conscientizá-los sobre o respeito à vida e superação. A secretaria de educação trouxe psicólogos que tentariam amenizar a culpa da escola na decisão da garota, sem deixar de responsabilizá-los pelos danos emocionais. Salvador estava de costas entre meia dúzia de alunos do segundo ano quando todos olharam para trás dele. Um arrepio correu pelas costas de Salvador que, pelo instinto, girou seu pescoço para trás lentamente. Os alunos calaram-se.
Guilherme estava vermelho, com os cabelos desarrumados e as olheiras em evidência. Algumas lágrimas ainda banhavam o rosto transtornado do jovem Guilhar.
— Guilherme? — Salvador estava surpreso com a presença do colega professor. — E sua licença, meu querido? — Guilherme fitou Salvador nos olhos, o encarou como nunca havia encarado ninguém. Uma vida passou à frente dos dois em segundos. — Você precisa ir para casa, meu bom amigo, você não está bem.
Outros alunos foram tendo sua atenção chamada por um Guilherme irreconhecível no meio do corretor estático e sem palavras. Outro amigo de sala tocou o ombro de Guilherme e ele o afastou em repulsa.
— Guilherme, você precisa de ajuda. — Salvador abriu os braços para abraçar o amigo e deu um passo à frente.
Mais alunos se aglomeraram ao redor para contemplar aquela cena esquisita. Salvador colocou Guilherme em seus braços e o apertou calorosamente.
— Tudo vai dar certo. — Disse o professor de Biologia no ouvido de Guilherme, que apertava o punho direito.
— Você a matou, você tinha um caso com ela. — Guilherme deixou cair todas as lágrimas possíveis sem fazer nenhum outro ruído. — Seu desgraçado, Eron morreu por isso! Você nos enganou esse tempo todo!
— Eu a amei tanto quando você a amou. — Salvador falava baixinho e pausadamente. — Uma paixão tão louca quanto a sua pela menina Beatriz que está no hospital. As histórias se repetem às vezes, Guilherme.
Guilherme fechou o punho com mais força ainda e descarregou um cruzado certeiro no nariz de Salvador que caiu com todo o peso das costas no chão.
A escola parou com a situação. O silêncio reinou por pouco mais de dois segundos e não demorou muito para a escola saber e os mais curiosos correrem para cima do corpo de Salvador ao chão. Outros professores e um zelador mais próximo se aproximaram e estavam tão perplexos com a situação quanto os alunos. O corpo do professor de Biologia estava ao chão, seus olhos giraram sem órbita e suas mãos se esticaram estranhamente em agonia. O chão frio foi tocado três vezes pela parte de trás da cabeça de Salvador em pouco tempo junto a uma escuridão que dominaram os olhos do homem estendido ao chão.
Guilherme sentiu um peso ser tirado de suas costas, sua mão direita ainda permanecia fechada, e observar aquele corpo sem consciência no chão foi prazeroso. As lágrimas em Guilherme secavam e abandonaram o rosto de quem tinha muito ainda por fazer, mas enfim, Guilherme Guilhar tinha feito alguma coisa em relação aos monstros que o perturbaram por longos onze anos. Quando os olhos de Salvador fixaram um ponto no telhado e sua consciência parecia retornar, o jovem Guilhar pôde então acordar do seu êxtase e ouvir o barulho dos corredores e a multidão que o cercava. Tudo aconteceu em segundos, e quando Guilherme tentou avançar mais uma vez sobre o homem que era levantado do chão, várias mãos familiares o segurava pelos braços e tronco. A escola vibrava, os alunos se espremiam e cada vez mais gente se aglomerava ao redor daquela batalha de apenas um golpe.
O nariz de Salvador estava quebrado e muito sangue escorria por ele. A parte superior dos lábios do professor de Biologia estava cortada e a sua boca parecia espumar o líquido vermelho em grande quantidade.
— Sangue e dor. — Pensou Guilherme quando forças maiores que as suas o arrastaram para longe do homem abatido à frente que tentava se reerguer com dificuldade.
Salvador estava calmo e tentando usar a razão para juntar os fatos que ocorreram sem controle. Ele tinha um problema, ele sabia que tinha. A camisa Xadrez do homem banhado de sangue estava vermelha, o nariz ardia e doía ao mesmo tempo, ele não sabia distinguir. A dor do professor de biologia subia pelos contornos dos olhos e parava em sua nuca que latejava, mas a dor maior foi à última palavra que Guilherme deixou escapar para a multidão quando era retirado a força.
— Assassino! — Gritou Guilherme enquanto era carregado por meia dúzia de pessoas que o arrastavam feito uma onda em meio ao aglomerado de pessoas que assistiam tudo de perto.
Salvador tinha que pensar rápido, seu maior e mais doloroso segredo havia sido revelado.||...||
|O telefone de César tocou.
— Alô? — Falou ele em voz alta em frente ao portão de entrada. — Sim, sim, Doutora Ruanna. Estou abrindo minha caixa de e-mails.
César, acompanhado de seu reforço, abriu sua caixa de e-mails no smartphone que usava e viu o mandato expedido pela justiça. Salvador deveria ser encaminhado à delegacia mais próxima.
— Já recebi, Doutora. — César caminhava de um lado para o outro enquanto falava e olhava para um homem que estava atrás do portão. — Mais não acho prudente entrar na escola. Tem muito jovem, sabe? Acho que posso falar com a direção e aguardar por ele aqui fora.
Ruanna concordou do outro lado da linha, ela e Clarice haviam agido rápido e conseguido em pouco tempo o mandato contra Salvador. As duas estavam se dirigindo para escola para acompanhar a condução do principal suspeito pela morte de Iris Almeida 11 anos atrás.
— César... — Chamou um dos policiais ao lado do responsável pelas investigações. César desligou o telefone se despedindo rapidamente da jovem do outro lado da linha. — Ele está vindo.
César forçou o pescoço e viu que Guilherme estava vindo em direção ao portão de saída.
— O que esse louco fez? — Gruniu César para os parceiros ao redor. — Entregue esse celular e esse e-mail ao porteiro da escola e peça para falarmos com a direção da escola. Diga que é da policia. Vou puxar a orelha desse idiota que pode ter estragado tudo.
Atrás de Guilherme um mar de alunos o acompanhava, seu punho ainda doía e ele andava lentamente ao portão. Vários palavrões e palavras de apoio eram jogados pelo ar por quem o seguia. O professor de matemática estava calado.
— O que o senhor fez professor? — Perguntou o porteiro incrédulo.
— Eu bati o mais forte que pude.
O porteiro abriu o portão e Guilherme não olhou para trás. Enquanto se aproximava de César os outros polícias entregavam a solicitação à direção para conduzirem Salvador até a delegacia de polícia.
— O que houve lá dentro? Que tumulto foi esse? — César pegou Guilherme pelo braço. O professor riu.
— Eu o acertei. Acertei com força. — Guilherme sorriu novamente. — Eu sou bom de mira, sabe?
— Você pode ter estragado tudo. — As mãos de César e seus mais de 1,90 de altura balançaram os ombros de Guilherme que ainda estava em transe.
— Eu precisava disso para tirar um peso que carregava.
— E se perdermos ele? O homem que pode ter causado tudo isso estava em nossas mãos. Meus homens entraram para falar com a direção e eu espero que não seja tarde demais. — Guilherme ouviu César sem compreender as palavras, olhou para o punho e o abriu. O jovem Guilhar sorriu novamente.
...
A enfermaria estava vazia quando o mar de gente tentou passar pela porta de entrada. A técnica de enfermagem que atuava em pequenos tropeços foi pega de surpresa ao ver tanta gente. Um aluno do terceiro ano e um professor de educação física foram os únicos que entraram escoltando Salvador.
— Meu Deus... — Disse a jovem recém-contratada.
— Não foi acidente de trabalho. — Disse o professor de educação física.
— Quem fez isso. — A técnica abriu uma gaveta e trazia alguns curativos enquanto falava.
— Não foi um aluno. — Tentou o jovem do terceiro ano. — Foi outro professor... O novato.
A mulher prestativa segurou o curativo sobre a boca de um Salvador banhado em sangue.
— Meu Deus! Aquele rapaz fez isso?
— Sim... Mas não sabemos o motivo. Disseram que a polícia está lá fora da escola. — Continuou o aluno.
— Posso segurar? — Salvador enfim falou alguma coisa. Ele segurou gentilmente a mão da mulher que prestava os primeiros cuidados e tomou o curativo.
— Pode sim. Vamos conter isso, mas você deverá ser encaminhado para o hospital, pois acho que temos uma fratura.
— Tudo bem. — Salvador levantou segurando o curativo sobre o nariz. — Posso ir ao banheiro?
— Claro que sim, mas com cuidado. — Salvador foi lentamente ao banheiro enquanto o aluno narrava tudo que viu outra vez.||...||
|Ruanna, acompanhada do seu técnico de fotografia e Clarice desceram do Audi que estacionou ao lado da escola.
— Onde está ele? — Perguntou Ruanna ao se aproximar de César e Guilherme.
— Tivemos um incidente. — As mulheres ao redor encararam Guilherme ao ouvirem as palavras do chefe de investigação. — O mocinho da história fez justiça com as próprias mãos.
— Vingança. — Deixou escapar Guilherme sem olhar para as jovens ao redor.
— E agora? — Se meteu Clarice.
— E agora que tenho dois agentes lá dentro com a direção, um mandato e o principal suspeito está na enfermaria tratando de uma fratura no nariz. — Guilherme riu outra vez.
O técnico que acompanhava Ruanna instalava uma câmera ao lado quando os outros dois agentes de polícia chegaram.
— Cadê nosso homem? — Perguntou César.
Os dois agentes olharam-se entre si.
— Fugiu pelo banheiro da enfermaria. — Disse um deles.
— Porra! — Gritou César. — Que clichê!
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"ONTEM TE VI NA RUA"
Mystery / ThrillerBaseado em dois crimes que chocaram a opinião pública e a imprensa nacional, "Ontem te vi na rua" é o primeiro trabalho de Diego Chermont como escritor. - OBRA COMPLETA DISPONÍVEL -