||_A chuva e os jornais escondidos_||

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|—Mãe? – Beatriz caminhava sozinha entre os corredores da sua casa. — Mãe? — A mãe de Beatriz não respondeu.
— Ela já está dormindo... — Pensou a menina carregando um celular e os fones de ouvidos.
Lá fora um temporal espremia a noite, o barulho no teto conseguia provar a revolta daquela noite de março. A mãe de beatriz dormia e não respondeu a filha. Agora Bia poderia tirar sua grande dúvida, mas a chuva era um bloqueio, as águas tentariam impedi-la.
Beatriz não conseguiria dormir sem essa resposta. —Que presente! — Ela se jogou na parede fria e colocou os fones de ouvidos novamente para tentar pensar. O corpo em formação traçava belas curvas juvenis, os seios desejados e invejados estavam provando o sabor do sucesso nas noites frias dos garotos mais jovens. A blusa simples deixava o braço direito nu receber os longos cabelos negros que tinham sua cor acentuada no breu aparente. Os olhos escuros se perdiam no fim no corredor em busca de algumas respostas prometidas há algum tempo.
Quatro batidas na porta de trás da casa...
— Não pode ser... — Ela retirou os fones do ouvido e deixou escapar essas palavras.
Beatriz desconectou os fones do celular, foi até um guarda roupa antigo e pegou um guarda-chuva que há muito tempo não era utilizado.

Beatriz caminhou sem fazer barulho pelo pequeno corredor, sua mãe não poderia acordar. A menina ligou a lanterna do celular e abriu a porta de trás. Os ventos gritaram dentro da casa, e o sopro úmido foi lançado direto no rosto de Beatriz. A menina de 17 anos só precisava atravessar aquela chuva torrencial e chegar ao deposito velho do quintal, o melhor lugar para se esconder algo por anos. A lanterna ajudava como podia. A escuridão lá fora fazia a chuva atravessar nitidamente o feixe de luz que guiava Beatriz ao forçar a mão direita no guarda-chuva para não o perder. No canto do muro uma porta velha guardava um depósito desorganizado e pouco frequentado. Lá não tinha luz, o celular seria um grande aliado. Os ventos aumentaram, e cada rajada entortava mais ainda a proteção da menina. — Um, dois... Três sopros! E o guarda-chuva foi lançado a vários metros de distância de Beatriz, mas ela continuaria o caminho, pois não poderia dormir sem essa confirmação.
Beatriz entrou no depósito, a madeira velha estava se desfazendo, as gavetas de um roupeiro antigo se amontoavam sem suporte e estavam ao chão frio. A luz do celular ajudava bastante e podia mostrar a desorganização daquele espaço fedido que guardava todos os tipos de coisas inúteis. Beatriz fechou a porta atrás dela e se ajoelhou para retirar a última gaveta quebrada. Com dificuldade a menina retirou alguns papéis e só conseguiu encontrar receitas culinárias. Muitas gavetas deveriam ser revistadas, um trabalho para um dia inteiro. Bia não teria tempo suficiente, sua mãe não poderia saber o que ela escondia naquele deposito.
Duas batidas na porta atrás da menina...
— Meu Deus... — Beatriz ficou paralisada e não olhou para trás.
O ferrolho da porta atrás de Bia estourou com a força do vento e a porta velha caiu sobre uma escrivaninha de madeira. Beatriz estava imóvel, sua mãe poderia ter acordado. O vento lambia seu pescoço e deixava a chuva entrar dentro daquele lugar. Embaixo da escrivaninha de madeira despedaçada estavam alguns jornais velhos. Sem olhar para trás, Beatriz engatinhou até eles e retirou um único exemplar. — Meus queridos arquivos. — Deixou escapar ela ao ser atingida pela brisa que a ensopava.

A menina folheou o jornal antigo e o abriu na coluna policial onde uma grande foto estava estampada. — É ele! — Disse ela em voz baixa.
O jornal de mais de 10 anos atrás trazia um Guilherme mais jovem e triste entregando panfletos. No rodapé do diário, o nome do namorado da menina desaparecida estava em negrito: Guilherme Guilhar, namorado de Iris. Beatriz colocou a senha em seu celular para desbloqueá-lo, foi até a galeria de fotos e olhou mais uma vez as dezenas de fotos que tirou do novo professor de matemática naquela manhã.
— É ele! — Beatriz riu alto... — É ele.
No lado de fora, sendo banhado pela chuva, um homem solitário escondia-se na escuridão. Sem emoção, ao ouvir a risada de Beatriz, ele se afastou lentamente. A alma solitária sumiu no frio da noite.

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