||_Beatriz, um conjunto de algo mais_||

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|A aula de álgebra estava chegando ao fim, Guilherme explicou como queria seus trabalhos e prometia bônus aos alunos que entregassem em dia os deveres de casa. Beatriz navegava em seu celular, pouco importava a aula ou os comentários finais do novo professor. Ela queria sair daquele lugar, correr para a liberdade que sonhava. O poder de fazer tudo, sair com quem quisesse e a não satisfação para com quem fosse. Suas calças apertadas espremiam a carne a deixando mais em evidência, isso a fazia bem. Ela queria mostrar-se, ser falada e estar em todas as línguas daqueles corredores, Guilherme conheceu várias pessoas assim.
– Bem, turma... Espero vocês amanhã. Torço para que estejam gostando das aulas. É importante para mim. – Guilherme fechou o livro em sua mesa e pode ver cada um de seus alunos sair, um a um.
Beatriz parecia empolgada com algo em seu celular, se perdeu no tempo e quando se ligou ao mundo era a ultima aluna na sala, Guilherme a observava.
– Acabamos? – Perguntou ela com ironia.
– Sim... Acabamos. – Parece que você aproveitou bastante. Não é mesmo?
– Sim, aproveitei... Aproveitei e marquei um encontro. – Ela deu uma risada alta e arrumou sua mochila.
– Sucesso então... – Disse ele acompanhando o ritmo irônico da situação.
Os dois saíram em direções opostas, Guilherme à sala dos professores teria que organizar suas coisas para voltar para casa, já Beatriz estendeu seu tempo em uma roda de adolescentes para colocar os assuntos em dia.
– E o que temos para esse próximo final de semana? – Beatriz sentou entre o grupo buscando o espaço e limite da expansão que seus gestos necessitavam enquanto abria o instagram.
– Treino, casa e quarto. – Disse uma garota ruiva que fazia tranças em outra menina. – Estamos de volta à realidade desses corredores.
– Que deprimente! Com tantos garotos dando bobeira por aí. – Beatriz fez alguns movimentos sensuais imitando uma possível relação sexual disfarçada em uma dança do momento. – É tanta opção, meu Deus.
Beatriz mostrou o celular para uma das meninas ao lado que teve que forçar a vista para gravar o nome do rapaz de óculos escuros que parecia feliz em uma praia do norte.
– Esses ''caras'' e seus carros só querem usar garotas pobres. – Continuou a ruiva. – Eles gostam de mostrar variedades. Eles "comem" garotas como você e te indicam nas festas, não como troféu.
– Muito esclarecedor. – Beatriz levantou e expôs as belas pernas torneadas. – Então eu seria a parceira ideal, pois só os utilizaria como objeto também. Não procuro o amor desses caras... Procuro diversão.
– Vá em frente, Bia! – Disse uma garota que observava a conversa por trás das tranças. – Coma eles e nos mostre o álbum de figurinha. – Todas começaram a rir em deboche. Beatriz soltou um sorriso rasteiro e preferiu dar as costas aquela arquibancada.
Beatriz caminhou junto com o fim dos rastros solares, a noite já se apresentava no meio daqueles que partiam para casa. A menina andava com a cabeça erguida, levantando seus seios fartos sempre em frente e lembrando-se da última ressaca e o que vomitara no outro dia, suas histórias e suas segundas-feiras sem razão. Poucos planos saíam de sua boca ou encontravam direção, amigos ou ouvintes eram escassos, aqueles só queriam beber, bater algumas fotos e postar nos aplicativos que viralizavam a ostentação e a emoção disfarçada. Talvez para ela fosse mais fácil conversar sobre uma música e alguma mensagem bem pessoal que deveria servir de referência para os outros, sobre o que ela era e não sobre o que demonstrava. Ela poderia naqueles dias pensar na sua segunda tatuagem, algo mais sensual e que tivesse a cara de um curso superior em uma faculdade de segunda com um curso bancado pelo governo, mas Beatriz pensava em seu encontro, pensava naqueles garotos com cheiro de álcool tão comuns em suas noites de prazer. O poder de destruição estava em suas atitudes e naquele jeito de andar, conversar, atender o celular. Poucos conheciam sua casa, seus pais ou seus sonhos. Ninguém conhecia seu passado e seus amores permanentes, apenas seus amores imediatos e a vodka que ela adorava.
– Vou com você. Posso? – A voz de Léo pegou a garota de surpresa, ela esperava por isso, mas sempre pouco preparada para sentir a presença daquele garoto de sua idade, mas de uma série mais avançada. Léo era individual, alto e de ombros largos. Era gentil e solitário, muito solitário. Não era um desbravador no futebol, não possuía carteira de motorista, nem muito menos carro, não gostava muito de celulares modernos e grupos de aglomerados sem papo, não saía muito nos fins de semana e também não tocava em nenhuma banda. O jovem Leonardo escrevia coisas bonitas e sensíveis sobre o amor, chamava a atenção, pouca, quando escrevia ou recitava algo novo na semana literária da escola. Foi num desses trabalhos que Beatriz e Leonardo se conheceram há dois anos, os dois estudaram juntos, mas Beatriz reprovou em mais de três matérias e teve que repetir de ano. Os dois formaram uma dupla em uma sala que só havia grupos de três pessoas, ela talvez por querer muito, ele pouco. Uma sintonia os uniu, ela o amou com toda sua intensidade, ele a amou como nunca e para sempre.
– Sim... Pode. – Algo no andar dela mudou, os seios fartos recuaram. – Estudamos tão próximos e poucos sabemos um do outro.
– Não posso concordar. Eu não a vejo com frequência, mas ouço várias coisas sobre você. – Ele arrumou a mochila pesada e acelerou os passos.
– Difícil? – Os dois atravessaram o portão principal em direção à rua quase deserta.
– O pior já passou Beatriz, não é difícil ouvi seu nome. – Ela viajava na voz do seu sempre amigo. – Difícil é ouvir os detalhes. Os detalhes me tocam e eu sempre fujo. É melhor.
– É uma pena... Gosto da possibilidade de não dar satisfação. – Ela foi mais dura, ele sentiu.
– E eu respeito isso. – A presença de Léo trazia àquela garota um sentimento de segurança, ela amava aquela sensação e odiava que aquelas oportunidades fossem tão escassas.
– Vamos juntos? No mesmo ônibus? – Perguntou ela ao chegarem à parada de ônibus. Os dois estavam sozinhos, como há muito tempo não conseguiam.
– Sim... Sim. Continuo morando no mesmo lugar. Eu a vejo sempre no ônibus. – Disse o rapaz perdendo a vista e escondendo os olhos dos dela.
– Você senta lá atrás, né? Escondido do mundo. – Ele pareceu não gostar do comentário da menina que parecia mais uma critica.
– Sim, não gosto da exposição. Acho que quem a utiliza confunde bastante. – Disse ele automaticamente. Sem pensar. Ele a afetou.
– Eu o deixo confuso? – Ela sentou e cruzou as pernas olhando para Leonardo de baixo para cima.
– Sim.
– Sabe por que te admiro? – Ele esperou. – Porque você não se importou de andar de braços dados comigo no meio de todos esses alunos. Minha vida para você estava começando.
– E estava... Eu sou fraco. – Havia verdade das palavras do rapaz. – Escondido e intenso...
– Todos aqueles olhares nos acompanharam por vários dias, depois eles concordaram que eu poderia amar, e você também. – Beatriz parecia outra pessoa ao lado de Leonardo.
– E não só destruir. – Entrou ele ao afeta-la mais uma vez.
– Você não se preocupou quando soube que mais de meia dúzia de idiotas já haviam visto meu corpo nu, e todos esses idiotas queriam mais! Quando você não suportou, eu perdi. Mesmo assim você continuou a me amar. – Léo ficou calado, apenas observava aquela outra Beatriz a sua frente e tudo que ela significava para ele. O jovem estava fortalecido, menos fantástico com aquelas mudanças de Beatriz, esqueceu-se do sangramento e estava saindo com outras garotas.
– Nunca tive vergonha de você e nem da sua companhia. Eu te aceitei. Acho que todos possuem uma chance, as letras dizem isso sempre, e negar essa possibilidade era rasurar o que leio. – Ela viajou e compreendeu cada palavra que ele disse.
– Você foi uma das vítimas, e eu não esqueço que já havia deitado com vários antes de ser a sua primeira vez. – O ônibus dos dois aparecia ao longe e eles se arrumaram naquele velho banco.
– Eu estou amando de novo. E agora eu tenho uma armadura. – Ele sorriu ao dizer cada uma daquelas palavras, ela desabou. – Eu escrevo bem pensando nela. – Beatriz ofuscou a vista com as luzes forte do ônibus a sua frente. O celular dela começou a tocar.
– Você não vai? – Chamou ele caminhando em direção ao ônibus.
– Não. Não vou servir de teste para sua armadura. – Ela estava triste. – Você pode ir, eu espero outra condução. – Como sempre, Léo a obedeceu, e ela o detestava por isso. Talvez essas palavras de dentro para fora dessem motivos para ele sempre desistir, e Léo sempre ia embora. O telefone não tocar em meio àquela despedida, deixando o ambiente ainda mais estreito.
Ela atendeu ao telefone, ele se foi no primeiro ônibus.
– Claro que sim! Combinadíssimo! Amanhã é sexta, perfeito pra mim. – Ela estava se transformando enquanto o ônibus e Léo partiam. – Não vou decepcionar.
Léo a observou até onde pôde, analisou a mudança nos atos da garota em segundos. Ele não sabia qual das duas havia amado.
Beatriz ficou sozinha e, depois de poucos minutos, notou que não havia mais ninguém naquela parada de ônibus. Poucas pessoas passariam por ali àquela hora, mas a jovem sabia que outro ônibus não costumava demorar. O frio apertou em pouco tempo, e Leonardo veio à sua mente mais uma vez. Ele estava amando de novo, aquilo parecia uma flecha em seu duro coração, era o ódio enraizado pelo sentimento de posse. Beatriz pensou na derrota, no medo de não ancorar mais em um coração, mas ela tinha um encontro, um encontro sexual no outro dia com música e bebida. Os minutos passaram e a menina solitária começou a se preocupar, acionou o relógio do celular diversas vezes, sabia que as coisas poderiam ficar perigosas.
Do outro lado da rua um homem a observava atentamente, estava no ponto de ônibus logo à frente da garota, ela parecia calma até notar sua presença. Ambos estavam sozinhos, cada um em seu extremo da rua larga e mal iluminada. Ela levantou e tentou reconhecer o rosto imóvel em sua direção, pensou em voltar para a escola e pedir para que alguém a acompanhasse na espera por outro ônibus. O tempo não passava e Beatriz estava preparada para uma corrida alucinante no meio da noite, qualquer que fosse a movimentação do homem do outro lado da rua. Ele levantou, Beatriz segurou forte o punho junto à mochila e procurou apoio no muro logo atrás; mas o homem saiu da escuridão mostrando o rosto conhecido. Guilherme Guilhar apontou ao fundo mostrando que um novo ônibus estava se aproximando. O ônibus parou e Beatriz finalmente iria para casa. Guilherme viu outra Beatriz, e de novo na escuridão à espera de sua condução não conseguiu compreender a mente humana.
O jovem Guilhar passou muito tempo analisando sua aluna naquela noite, e conseguiu, mesmo que de longe, notar a bipolaridade associada aos movimentos de Bia, uma mistura exótica e destrutível. Guilherme sabia que os loucos também amavam, e Beatriz tinha dificuldades em guardar segredos. Ele estava cansado e só pensava em ir para casa, seu ônibus não demorou.

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