|Ruanna estacionou seu carro em frente à porta principal de sua mansão no bairro do Bornéu, trazia consigo uma pilha de jornais e revistas que mal podia carregar; o porteiro ao identificá-la abriu o portão e ofereceu ajuda.
– Obrigada, posso levar. – Delicadamente passou pelo porteiro que tentou ajudá-la, seguiu pelo jardim bem trabalhado até a entrada, deixando para trás o frio da noite e o silêncio triste do local; os olhos claros brilhavam com as luzes vindas dos cristais tailandeses do hall. O porteiro atento à situação a acompanhou e abriu a porta. Ruanna entrou com dificuldade sentindo a porta bater atrás de si. Ruanna girou seu corpo, e utilizou uma pequena mesa rústica como apoio, respirou um pouco e foi pega de surpresa.
– Trabalho de casa. – Falou Alfredo sentado em sua poltrona acompanhado com seu brandy. – Parece que somos identicamente apaixonados por trabalho. Cada vez mais sou pego de surpresa quanto a sua capacidade.
– Acho que se consegue isso quando se ama o que faz. – Disse ela esperando o impacto das palavras sobre o velho Alfredo.
– Tudo bem. Tudo bem... Não quero mais discussão. – O velho advogado levantou-se e subiu em direção ao seu quarto. Ruanna manteve-se estática, alguns fatos sobre a Rua dos Sonhos ainda seriam sua companhia naquela noite de Março. Ela parou algum tempo para ganhar fôlego e subir até seu quarto, pensando em seu pai e em como aquela convivência poderia ser diferente.
Em seu quarto, Ruanna colocou todas as revistas que trouxe consigo em cima da cama, vários jornais foram abertos em páginas policiais, todos traziam em meio às diversas matérias algo sobre o caso do "Pervertido da Rua dos Sonhos". Ruanna sabia que antes de produzir o programa para o canal Onze, teria que saber tudo sobre o caso, tudo sobre seus envolvidos. Naquela noite a fonte de pesquisa seria mais de dez revistas e outras duas dúzias de jornais que foram separados por períodos. As matérias mais antigas seriam lidas antes, continuando sua pesquisa até a data atual de forma crescente e ordenada. Sobre a mesa, um computador foi ligado, nos sites de pesquisas algumas notícias poderiam ser encontradas, mas como o caso era local, e o crime foi manchete há mais de dez anos, as revistas e jornais da época poderiam trazer informações jamais veiculadas no mundo virtual.
O rosto de Iris e o de Eron dominavam as capas de jornais e revistas, a imprensa entrou a fundo na vida da beleza revelação da cidade daquele ano. Iris aparecia em fotos familiares e escolares, praticando handebol ou em algum grupo de dança. Eron de Menezes tinha sua palidez revelada com intensidade, em algumas fotos aparentava desprezo e em outras seu rosto era coberto por uma camisa que estampava o slogan de sua banda favorita. O principal acusado do desaparecimento havia sido agredido na cadeia durante os dias que ali passou em prisão preventiva, e os hematomas eram expostos como troféu para a massa sedenta pelo sengue do rapaz.
Ruanna organizou os periódicos por data e começou sua jornada por uma das primeiras notícias veiculadas sobre o caso, datada há mais de dez anos, que estampava na primeira página: "O Drama da família Almeida".
O texto trazia consigo uma entrevista exclusiva que a revista semanal havia conseguido com a família da menina, quarenta e oito horas após o desaparecimento da garota. Ruanna parou um instante e focou direto na foto que uma senhora carregava de Iris e mais uma vez pode analisar os cabelos dourados e longos da jovem, o rosto sereno e o sorriso contagiante, fazendo a jornalista pensar nas fotos da mansão após o desaparecimento, nos corredores banhados de sangue, imagens que demonstravam uma hemorragia capaz de matar qualquer pessoa em minutos.
Na entrevista a avó de Iris contou que saiu com o esposo no dia anterior para visitar parentes, e confiando na segurança do bairro deixou a jovem sozinha em casa, pois a mesma teria compromissos na universidade e não poderia acompanhá-los.
"– Ela já havia completado dezoito anos, estava organizando as coisas para a universidade, erramos ao achar que ela poderia se defender!" – Dizia um trecho da entrevista. Ruanna pôde ver ao lado outra foto em que vários parentes e moradores da Rua dos Sonhos se uniam para divulgar a foto da garota. "Apesar das evidencias de morte presumida indicada pela polícia, acreditamos que podemos encontrar ela ainda com vida". – Continuava a entrevista.
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"ONTEM TE VI NA RUA"
Mystery / ThrillerBaseado em dois crimes que chocaram a opinião pública e a imprensa nacional, "Ontem te vi na rua" é o primeiro trabalho de Diego Chermont como escritor. - OBRA COMPLETA DISPONÍVEL -