||_Bia e a Rua dos Sonhos_||

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|Beatriz desceu da condução e seguiu pelos ladrilhos da Rua dos Sonhos, vestia uma blusa de manga longa, sem decotes e um jeans que não acentuava suas curvas. A Rua estava movimentada no domingo, a missa matinal estava chegando ao fim e alguns pássaros ainda cantavam sobre as mangueiras enfileiradas no canteiro central. Aquele endereço foi sua primeira opção, Beatriz estava destruída por dentro, não conseguiu dormir no sábado, e sempre que fechava os olhos lembrava-se das luzes fracas daquele motel imundo às margens da rodovia. Bia sentia nojo do próprio corpo. A menina caminhou lentamente, a cabeça estava baixa e ela só queria uma pessoa em quem pudesse confiar, pois ela precisava contar o que havia acontecido a alguém, e seu coração a levou a Rua dos Sonhos, ela precisava falar com seu professor.
A mansão número sete estava no caminho ao lado esquerdo de Bia, o jardim estava uma droga e as folhas caídas combinavam com as paredes manchadas pelo tempo. Beatriz parou e viu o velho cadeado enferrujado, olhou para as janelas e tudo lá dentro dormia. Era estranho e não dava medo à garota. Todos da cidade conheciam a história daquela velha casa, sabiam que uma jovem desapareceu ali há alguns anos e que talvez alguém ainda vagasse por lá, talvez escondido esperando o momento certo para dizer ao mundo que tudo estava bem e, no outro dia, quem sabe, aquela pintura fosse retocada e a fama daquele lugar fizesse com que a Rua dos Sonhos não fosse a rua da morte, da dor e da espera interminável. Assim como todo visitante que por ali passava, não importando o motivo ou a pressa, Beatriz ficou em frente à velha casa por alguns minutos, estudou cada detalhe e tentou imaginar algo que fosse além da dor que sentira quando teve a certeza que foi abusada enquanto dormia na madrugada de sexta para o sábado.
Atrás de Beatriz, do outro lado da rua, estava a casa do pervertido da Rua dos Sonhos e as pichações que a maquiavam.
Guilherme parecia sentir que alguém o procuraria, pois quando Beatriz chamou seu nome, o professor levantou às pressas e viu seu corpo arder ao ver o rosto abatido de Bia. A menina quase não esperou a porta abrir, correu para os braços de Guilherme e o abraçou como nunca havia feito na vida. Ele trouxe um cheiro de proteção e a força que faltava à garota que chorou sem pausa no calor do corpo do homem que amava.
— O que houve, Bia? — Perguntou ele no ouvido da garota. Ela não respondeu, então o professor resolveu esperar um pouco, deixar que o choro tivesse o seu tempo e jogasse tudo que fosse doente para fora.
— Eu te amo... eu amo você! — Começou ela sem levantar a cabeça, o rosto colado no tórax de Guilherme. A voz estava abafada e as lágrimas molhavam a camisa do professor. Ele tocou o rosto de Bia com as duas mãos e trouxe o olhar da garota para seus olhos.
— Bia, o que você tá fazendo com a gente? Você deveria estar em casa. — Guilherme notou as olheiras da menina e bloqueou a queda de uma lágrima com tanto afeto que nem se reconheceu.
— Não... — Seu rosto estava inchado de uma dor indescritível. — Eu precisava desse abraço, ouvir sua voz. Eu precisava buscar o perdão e te contar o que aconteceu comigo. — Ela escondeu o olhar, Guilherme procurou.
— O que houve? — Ele prendeu com os braços fortes a menina em seu peito. Afagou os cabelos negros dela e tentou transmitir mais que atenção, Guilherme levou todo o amor possível a sua aluna.
— Guilherme, me drogaram. — Ela parou. — Colocaram algo na minha bebida.
Guilherme trouxe novamente os olhos de Bia para os seus.
— Não consegui dormir a noite inteira. — Continuou ela deixando a voz ir embora aos poucos.
— Meu Deus... Quanta maldade.
— Sim. — Ela desabou novamente.
— Calma! — Ele aumentou a voz apertando a menina novamente em seu peito.
— Acordei em um motel, suja, nua e destruída por dentro. — Guilherme ficou estático com a revelação de Beatriz. — Quero morrer.
— Não diga isso, por favor. — Ele esperou alguns minutos acariciando a menina, servindo de porto seguro e tentando controlar a dor que também sentia. — Quem fez isso?
— Não sei, não sei.
— Mas o lugar você lembra?
— Sim. Eu me lembro da boate, do motel e das pessoas com quem saí à noite, mas não sei quem me drogou e quem me usou naquele lugar imundo. — Guilherme a puxou para dentro de casa e a fez sentar.
— Podemos ir até à delegacia. — Disse ele. — Podemos pedir as gravações das câmeras de segurança desses locais. Vamos acabar com esses desgraçados. Filhos da puta!
— Não! Por favor, não... A exposição seria pior. Minha mãe morreria e no fim todos poderiam saber que eu era a garota estuprada.
— Mas temos que fazer algo. É por isso que esses loucos estão soltos por aí.
— Eu queira dormir, Guilherme. Só dormir... — Ela voltou a chorar. — Você pode fazer isso por mim? Pode? Não me deixa sozinha... por favor!
— Vamos. — Guilherme a levou para seu quarto e a deitou em sua cama, sentou ao seu lado e via toda a fragilidade da menina que estava buscando a paz do sono. Beatriz sentiu o cheiro do seu professor, amou aquele cheiro e aquela casa simples.
Eles não se falaram mais, Bia dormiu enfim. Guilherme dedicaria todo o seu dia a acompanhar a garota destruída que o amava. Ele puxou uma cadeira, segurou a mão de Bia e passou boa parte do tempo contemplando a menina que precisava apenas dormir.

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