IX

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Um pouco mais a leste da casa principal ficava um outro prédio de dois andares. Um edifício mais largo de pedra, um lugar que descobri aos sete anos quando fui visitar a villa pela primeira vez. Era uma noite sem lua, mas o céu estava coberto de estrelas quando vi minha avó aquecendo a voz no andar superior num estúdio amplo de paredes de pedra e chão encerado de madeira. Quando entrei naquele lugar duas manhãs depois do convite da condessa, pude ouvi o eco da voz de Pia reverberando nas paredes durante seus exercícios de aquecimento. Havia vida naquele lugar, um mover estranho e silencioso de vida, havia música ali. Guardei silencio por um segundo e ela veio tão fácil, leve e simples através de minhas cordas vocais. Fechei os olhos e abri a boca e escalas vocais começaram a vir uma atrás da outra rolando em mim como ondas do oceano, subindo de tom uma após a outra, meu fôlego não terminava, meus pulmões pareciam se encher de uma quantidade impressionante de ar e não me sentia cansada. Ao exercícios, veio uma vontade de cantar o Vocalise, de Rachmaninoff, lembro-me que nonna dizia que era o som fluía melhor quando começava seu ensaio com Rachmaninoff. Era como sua prece e eu, que sempre havia achado que era como uma besteira de velhos, estava a usando.

- É como entrar no Paraíso - sussurrou uma voz atrás de mim assim que terminei de cantar. Era ele. Havia mudado o perfume, já não era a colônia, mas algo mais natural, italiano, másculo. Enviava pelo ar a mensagem de um homem obstinado. Para mim, era a mensagem de um moleque que não sabia lidar bem com a rejeição. - Temi que minha aparição já tivesse retornado a sua residência nos lugares sagrados.

- Por todos os santos, garoto, chega a ser profano essa sua conversa - virei-me já exasperada com o abuso do tal rapaz. - Você não tem que ir a escola ou algo assim?

- Mas estou na escola, cara mia. - sorriu-me com um brilho sedutor nos olhos - Estou aprendendo a gostar de música assim...

- Assim como, infeliz? - resmunguei impaciente cruzando os braços e caminhando a sua volta com uma fera nervosa.

- A sua música...isso que você canta - ele apontou para mim e pareceu de fato um menino ignorante.

- Bem, não me admiraria que menino como você soubesse ou apreciasse música clássica - dei um sorriso condescendente, quase de pena. - Verdi, Bizet, Mozart, Handel e Donizetti são nomes novos para você, não? - continuava a falar, observando que ele guardava um silêncio perigoso demais, mas na época não me importei, segui falando, parecendo tia Ludovica, só que sem a bengala - Mas são gênios que construíram acordes intrincados para falar de grandes histórias de amor, de vendetta, traição e guerra de uma maneira mais elegante que essas batidas horrendas de música...pop.

- Apesar de ser música de velho, são músicas bonitas - havia um tom provocativo e era a vez dele de me circundar, caminhar a minha volta, mas o fazia sem despregar os olhos de mim - Ah, um garoto como eu sabe de tanta coisa que poderia impressioná-la. - sussurrou novamente atrás de mim, agora mais perto, tão perto que podia sentir o hálito quente tocando meu pescoço, causando um arrepio lento.

- Música de velho? Ora, essa! Que você...argh! - guinchei levemente perturbada com a proximidade dele e muito irritada com aquele desrespeito. - Garoto, você está em terreno perigoso... - avisei sem conseguir quebrar direito aquela conexão.

- Sim, eu sei - a voz dele baixou e estava junto ao meu ouvido, meio rouca, calorosa com a respiração bem controlada, soltando ar na minha pele - Um terreno sinuoso - prosseguiu aproximando o corpo dele do meu e logo, senti o calor da sua mão a andar pela minha cintura. Tinha dedos longos que apertavam a carne daquele região e sabe lá Deus há quanto tempo, eu não era tocada daquela forma por um homem. Na verdade, nunca havia sido tocada daquele forma, meu pensamento dizia enquanto a razão me lembrava o que o último homem havia feito. A mão forte ia descendo em direção ao quadril. - Maduro e sinuoso...

- Chega! - meu autocontrole retomou conta da situação e falou por mim. Com firmeza, me desvencilhei dele e me afastei, procurando a ficar de frente para o garoto com uma distância segura - Eu já não disse para você sair desta propriedade? Tem algum problema com ordens?

- Eu avisei que eu voltaria, não? - ele sorriu sem disfarçar o quanto se divertia a perspectiva da caça e isso me irritava. Ser presa para quem sempre esteve no controle nunca foi uma situação agradável. - Isso anula sua ordem.

- Você, garoto, precisa de limites. - apontei o dedo para ele, amaldiçoando mentalmente todas as gerações de homens italianos atrevidos - Talvez sua pobre mãe não soube dá-los e agora que já é homem quase formado...

- Tenho 25 anos - interrompeu ele passando uma mão pela barba. - E meus limites...podemos discutí-los num local mais apropriado.

- 25, santo Deus...- resmungo balançando as mãos num gesto e impaciência - Não irei para lugar nenhum discutir nada. Lide com a rejeição, meu garoto. Não é porque parece uma dessas estátuas renascentistas significa que toda mulher vá se deitar com você. Eu não irei - decretei em voz alta e firme ou ao menos isso pensei.

- É o que veremos - disse-me tão tranquilo como um monge budista e tão provocante quanto todo homem deveria ser. - Você é deliciosa, mas não posso ficar mais tempo. É preciso de doses diárias para se acostumar...e a de hoje, foi muito inspiradora - ele estava voltando a se aproximar alterando pela miléssima vez a situação presa-caça. - Tenha um bom ensaio, bella. Nos vemos amanhã - afirmou com um sorriso confiante e parou a um passo de mim - Um bom dia... - sussurrou deixando que os olhos percorressem meu rosto e descessem até o meu colo chegando ao decote do vestido que dava uma ligeira perspectiva de outra herança física das Castromanni. E sem dizer nada, tal qual havia entrado no meu dia, partiu deixando confusa se me irritava ou se controlava para sair atrás dele. 

Primma DonnaOnde histórias criam vida. Descubra agora