XII

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O som de violinos e cellos sendo afinados e de tenores, sopranos, mezzo-sopranos, barítonos e membros do coro aquecendo suas vozes, o calor das luzes, o cheio das flores, o zumzumzum da plateia e depois seu silêncio tangível que explodia em ovações e palmas desconcertantes. Tudo isso está impresso na minha memória como se gravado em brasa viva. A noite que vi o espírito lírico de minha avó habitar aquele teatro criando uma atmosfera de ópera, algo poderoso e único. Algo novo para mim. Uma vez mais, a atmosfera italiana fazia com que eu entrasse em outra dimensão da minha própria existência.

Naquela noite, vestida do mais glamouroso vestido branco que uma italiana pode ter cantei as mais intrincadas peças do repertório de minha avó com fôlego renovado deixando a voz flanar pela nota, produzindo assim sons que me surpreenderam. Ah, nunca vou conseguir descrever com perfeição tudo o que se passou naquele palco comigo! Mas foi uma noite gloriosa, que não terminou com o coquetel para os convidados num dos salões da Villa, como eu pensava que terminaria.

Após de despedir a grande parte dos tais, me encontrei sozinha com o meu malfadado ex-marido, que permeneceu na primeira fila durante todo espetáculo (sinto que foi esse incentivo vingativo que me fez cantar daquela forma). Bill realmente não estava nada em forma. O terno, arranjado as pressas, o deixava desalinhado e muito pouco atraente. Estava com mais um copo de whisky, já havia perdido as contas de quantos havia visto ele tomar.

- Você se escondeu de mim esse tempo todo - resmungou ele com a voz mole de quem está caminhando pela embriaguez. - Onde essa voz estava, hm?

- Guardada a sete chaves, esperando o momento certo para florescer - respondi com um tom satisfeito ao perceber a nota de deslumbre que ele tinha.

- Mais do que nunca, eu preciso de você, passarinho - o homem suspirou e lançou-me um olhar digno de pena, mas como uma anglo-italiana, quarentona, traída, divorciada e desempregada, pena era algo que eu não tinha por aquele homem.

- Claro que precisa e fico satisfeita que você percebeu isso - respondi com uma docilidade tão sádica expressa por um sorriso enviesado - Não é linda a vingança, meu querido? Você não precisa matar ou bater. - fiz uma pausa dramática e saboreei aquele momento - Basta demonstrar ao outro o que ele perdeu.

- Já pedi perdão por não ter visto antes a mulher que você era, minha adorada - floreou ele se levantando ou ao mesmo tentando pateticamente se levantar - Nunca deveria tê-la deixado sair da minha vida nem do Convent. - confessou Bill de pé olhando-me de cima a baixo - Você nunca esteve tão bem. Nunca esteve tão linda... - ele avançou dois passos para frente na minha direção, mas, como estava alto, acabou caindo no chão de joelhos.

- Ah, isto foi genial - gargalhei diante da cena. Era impossível não fazê-lo.

- Você me tem de joelhos, humilhado, prostrado ante ao seu talento e beleza - o homem dizia um tanto alto e de braços abertos - Volte para mim, Fiorella...

Antes que pudesse responder, uma nova companhia entrou no recinto e não poderia vir em melhor hora e nem estar com melhor aparência. Marcello vinha com a gravata borboleta desfeita, uma mão no bolso e uma taça de champanhe na outra. Estava elegante com um botão da camisa branca aberto, ligeiramente selvagem. Observou a cena em silêncio e sorriu-me entre o divertido e o curioso.

- Interrompo algo? - disse com naturalidade com uma ligeira faísca furiosa no olhar.

- Marcello! - exclamei num suspiro que pareceu quase enlevado enquanto uma ideia ia se formando em minha mente - Ah, perdeu uma cena tão divertida! Veja que este senhor é meu ex-marido e se prostra para ter-me de volta - comentei em tom alegre, quase natural.

- Caro signore, cometi a besteira de perder a melhor das mulheres - disse Chambers ainda de joelhos, virando-se para Marcello.

- Pobre Bill! - suspirei dramaticamente enquanto começava a caminhar lentamente até Marcello olhando-o de forma penetrante. - Eu lhe disse que havia outro, mas ele não creu na minha palavra - dizia me aproximando sob o olhar atento do Bergamasco, que pareceu entender-me, pois reparei que havia um lampejo travesso no sorriso que ele me deu.

- Devo dizer a ele? - Marcello sussurrou audivelmente trazendo-me mais parto de si pela cintura, dominando a área com certa possessividade. - Devo ser um garoto mau e destruir as esperanças do homem? - Ah, ele foi genialmente provocante ali! Ah, que ator! Chegou-me mesmos a fazer um gentil carinho com o nariz ao passá-lo pelo meu.

- O que ele quer dizer, passarinho? - Bill parecia prestes a ter uma apoplexia ao ver-me literalmente nos braços de outro homem, um homem com metade da idade dele. - Ele...e você...mas...

- Ah, você deve começar a ser um garoto mau aqui - respondi com uma meia voz sensual enquanto brincava de colocar os dedos dentro da camisa dele, descobrindo que, por todos os céus, ele tinha um peitoral forte. - E pode terminar lá em cima - e finalizei com a cereja do bolo, beijando-o levemente, sentindo o gosto do champanhe ainda nos lábios.

- Fiorella! - ouvi Bill protestar, mas apenas pude ouvir. O tal beijo e o toque desencadearam aquilo que estava represado durante os dias de provocação e Marcello aproveitou a deixa, apertando o meu corpo contra o seu invadindo-me a boca de uma forma bem exigente. Juro que sentí-lo tão intimamente perto e tão subjugador me deixou zonza por uns segundos após o beijo.

- Quer terminar o assunto com o pobre homem? - inquiriu rouco acariciando-me o queixo - Irei esperá-la lá em cima, sim? - anunciou com um tom satisfeito e se afastou deixando-me novamente Bill e eu a sós.

- É serio? Um garoto? - inquiriu meu ex-marido colocando-se de pé. Havia um tom perturbado na voz dele e eu achava que nada me daria mais prazer do que aquilo naquela noite.

- Ah, a aparência é de garoto, mas como amante, ele é todo um homem - comentei sem mentir. Afinal, apesar de nunca termos ido as vias de fato, Marcello já havia provado que era tão hábil quanto qualquer homem mais velho. - Ah, antes de subir, devo dizer que como previ que você se afogaria em whisky, há um quarto separado para você. Aproveite de meu eu magnânimo e tenha uma boa noite, Bill - me despedi magistralmente, saindo vitoriosa da sala e da vida do meu ex. 

Primma DonnaOnde histórias criam vida. Descubra agora