XIV

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Marcello partira pela manhã com a promessa de retornar a tarde, mas soube despedir-se muito bem. Ficando só, me abandonei a um sono solto até o meio da tarde quando o meu quarto sofreu a invasão de um pequeno exército huno formado por minha tia, Bianca e Francesca.

- Ah, pelo amor de Deus! - resmunguei quando alguém abriu a janela, deixando a luz do sol invadir o ambiente.

- Trate de não esconder nada, mocinha - ouvi a voz de tia Ludovica a romper-me os tímpanos. - Nós vimos o Bergamasco sair daqui de manhã!

- Talvez tenham visto errado - retruquei com uma nota distinta de bom humor na voz enquanto me punha a sentar, sem me importar que estava nua. - Mas meus lábios estão selados.

- Não estiveram tão selados noite passada - interveio Francesca com acidez depositando uma bandeja com pães, bolo, frutas e suco como se tivesse adivinhado o grau da minha fome. - Acho que o Santo Padre deve tê-la ouvido gemer lá do Vaticano.

- Não deve ter sido tão alto - neguei sorrindo agradecida pela comida.

- Foi, prima. Parecia que você ainda estava se apresentando. - foi a vez de Bianca participar da conversa. A pobre corou até o cabelo ao comentar isso.

- Olá? Alguém em casa - ouviu-se a voz de Marcello quebrar a monotonia das vozes femininas. Tão concentradas estávamos que nem percebemos sua chegada ou que a casa estava sozinha e não havia ninguém para recebê-lo no andar inferior.

- Ihuu, estamos no quarto de Fiorella, ragazzo - gritou tia Ludovica com um timbre diabólico na voz. - Venha até nós, estou certa de que conhece bem o caminho - provocou a velha para o meu desespero.

- A senhora só pode estar maluca - resmunguei entre os dentes pouco acreditando na ousadia daquele metro e meio de gente.

Não se ouviu mais nada além de passos. Primeiro, vinham pela escada e depois traçaram rota pelo corredor. Logo, ele estava parado diante da minha porta. Homens não ficam com radiantes quando fazem sexo, mas, em Marcello, era perceptivel o que ele havia feito pela noite afora. Parecia ter tomado um banho e trocara as roupas, no entanto, havia algo na expressão dele que não negava o que acontecera. Os olhos encararam com humor o paredão de mulheres a sua frente.

- Signoras, isto é algum tipo de rebelião? - inquiriu sorrindo para as três a sua frente.

- Muito pelo contrário, mio bello - respondeu tia Ludovica se acercando perigosamente do rapaz. - Estávamos fazendo um pequeno inquérito a minha sobrinha para saber o que se passou por aqui, mas ela não quis dizer nada. O que o signore tem a falar?

- Bem, foi uma noite maravilhosa e pretendo repetí-la assim que as bellas damas me deixarem a sós com Fiorella - respondeu Marcello com charme típico italiano dando conta de que, apesar de não ter me olhado, ele havia se dado conta da minha presença ali.

- Por que não eu? - tia Ludovica interveio novamente e eu quase tive uma crise de risos com a pergunta. Afinal, não é sempre que se vê uma espécie de velha harpia italiana em plena demonstração de sua plumagem rara no afã de acasalar. - Sempre estive aqui, Marcello.

- Bem, signorina, sempre achei que não me quisesse por causa da idade - Marcello suspirou com um ar dramático e, tomando a mão da velha com cuidado, depositou um beijo no seu dorso.

- Não, não, meu garoto - a voz da velha se adoçou e, aproveitando-se da situação, acariciou o rosto de Marcello - Se mulheres Castromanni não fossem ciumentas, faria com gosto o papel de sua amante.

Diante de tal acinte, tudo o que pode se fazer é rir e foi o que fiz. Talvez tenha sido isso que chamou a atenção dele. Ou talvez o fato de ter permanecido exatamente como ele havia deixado de manhã: completaente nua. O fato é que, qualquer que tenha sido a resposta que ia dar a velha, nunca será sabida. Naquele exato momento, ele estava perdido com o olhar vagando por mim de uma forma deliciosa.

- Acho que é sensato que saiamos - foi Francesca que quebrou o silêncio e tratou de enxotar as demais para fora do recinto mesmo diante dos protestos da tia. Ao sair, aquela outra prima distante fechou a porta, não sem antes disparar um sorriso cúmplice por isso.

- Você tornou as coisas mais fáceis para mim hoje. - ele disse se aproximando da cama tão sorrateiro como um ladrão. - Mas devo dizer que gosto muito do processo de despir uma mulher.

- Na verdade, caro mio, não me vesti hoje - informei voltando minha atenção para a bandeja no meu colo, fingindo indiferença ao homem que agora se sentava na minha cama, não tão longe de onde estava. Despreocupadamente, tomei uma uva que jazia em uma tigela e a coloquei nos lábios, deixei que a doçura da fruta me distraísse do convite que havia na presença de Marcello ali. Céus, como era divertido provocá-lo e sentir o olhar dele percorrendo meu corpo, devorando-o lentamente.

- Uma mulher perigosa, é isso que você é - Marcello riu enquanto engatinhava até mim, fazendo a cama ceder aos poucos enquanto colocava mais uma suculenta uva na boca. - Muito perigosa para o juízo de um homem.

- E quem disse que você é uma pessoa de juízo, Marcello? - quando enfim tornei minha atenção para ele, estava tão perto que sentia o aroma do hálito fresco dele. Ele sorriu e naquele jovem sorriso radiante havia as promessas de uma excelente repetição do que se passara a noite.

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