— Sai da casa de Guilherme e passei a caminhar sem rumo por estradas desconhecidas. Tentei desbravar um horizonte inalcançável, a verdade é que no fundo eu não tinha mais aonde ir, nem a quem pertencer. Pisei forte no acelerador e velozmente segui em estradas escuras. Eu já não me importava com nada mais, nem mesmo com a minha própria vida. Se um caminhão batesse em meu carro e acabasse de uma só vez com todo aquele vazio, eu não ligaria. Sentia ódio de mim mesma por tê-la deixado ir embora, porque se eu tivesse sido diferente, ela não teria optado por partir. Eu me arrependo, eu sei que podia ter mudado o rumo das coisas, mas não o fiz. Eu podia tê-la abraçado, conversado e enxugado seu choro, transformando em sorriso as lágrimas que caíam dos seus olhos. Eu podia ter feito tudo, menos tê-la perdido assim. Clara é a historia mais linda que aconteceu em minha vida, e eu fui certamente o oposto disso em suas ultimas lembranças.
* ♪ ringtone do celular soando ♫ *
Aquele toque ensurdecedor me acordou do absorto de pensamentos em que eu me encontrava. A lucidez veio atona me tirando dos devaneios. — Essa não! Quem pode ser agora? — meu subconsciente indagou enfurecido, enquanto conferi a tela do celular.
— Maria Eduarda, me diga agora mesmo onde você está? Sua mãe acabou de me ligar preocupada e ansiosa por noticias suas. Por que não voltou pra sua casa ao sair da casa do Guilherme? Eu fui lá em sua procura e você já tinha partido, me tranquilizei achando que tinha voltado ao seu apartamento, até receber o telefonema de sua mãe que dizia o contrario. Está caindo um temporal enorme do céu, não é a melhor hora para dirigir. — ela quase não respirava com tantas indagações que enchiam minha paciência.
— Me deixa Lívia! Sou grandinha o suficiente para saber me virar. Eu já estou de saco cheio de você e Guilherme tentando controlar minha vida. — falei desligando não só a chamada, mas o aparelho.
Minha cabeça girava e eu estava sem norte, minhas lagrimas não cessavam e eu me sentia sozinha. Eu sabia que se voltasse pra casa naquele momento, minha mãe me encheria de perguntas em nome de suas preocupações excessivas, e após minha briga com Guilherme e o modo que tratei Lívia, senti como se estivesse afastando todos que gostavam de mim, e não era por querer, era por não saber fazer diferente. Em uma decisão súbita e pouco pensada, resolvi ir até a pensão onde Melissa morava. Eu sabia que já era tarde, mas ignorando o relógio ouvi apenas meu coração. Ao me ver ali no estado em que me encontrava, Mel se surpreendeu e se aproximou do meu carro se mantendo assustada.
— Céus, Eduarda! O que aconteceu com você? — Creio que o fato de eu estar sempre tão bem vestida e sorridente (apesar dos pesares) e agora surgir com maquiagem borrada por lagrimas, cabelo bagunçado, em sua procura, certamente tenha assustado-a.
— Eu sei que já é tarde, e que eu não deveria ter vindo até a pensão sem te consultar antes, mas eu preciso de alguém para conversar. Por incrível que pareça, todos os meus amigos de anos agora parecem estranhos e minha casa se tornou o ultimo destino que desejo no momento. Sei que não somos amigas e nem nada do tipo e que só nos conhecemos por acaso do destino te colocando de paraquedas em meu caminho, mas ainda sim, mesmo parecendo tão egoísta de minha parte, eu imploro por sua companhia. A solidão está me assustando como nunca antes.
— Eu quero muito ir Eduarda, juro que quero, mas estou esperando um de meus clientes, na verdade eu já estava quase de saída. Por mais que eu ame sua companhia, eu preciso do dinheiro para fechar o aluguel da pensão no fim do mês. — ela me olhou de forma tristonha. Mesmo dizendo-me um "não" eu sentia que ela desejava fazer o contrario.
— Se for comigo, eu juro que pago por sua noite. Peça que uma de suas amigas cubra sua falha com esse cliente e eu prometo que pagarei muito bem por sua companhia. E juro que não vai precisar fazer sexo comigo, apenas me ouvir. Está chovendo, por favor, não me deixe caminhar por essas estradas molhadas com o peso da solidão em meus ombros.
— Está bem Eduarda. Você me convenceu. Avisarei a Kiara que lhe passarei o cliente e já volto. Por favor, me espera no carro, antes que pegue uma pneumonia nessa chuva. — ela disse adentrando um dos quartos daquela pensão e se perdendo do meu alcance de visão.
Com a umidade das minhas roupas, o banco do motorista ficou encharcado de água. Eu sabia que logo pela manhã acordaria cedo para um dia exaustivo de trabalho, mas nem isso era capaz de me fazer voltar pra casa.
— Podemos ir agora. — Mel disse abrindo a porta do carro e se acomodando no banco de copiloto.
— Me mataria se eu falasse que não sei aonde irmos? — eu realmente não fazia ideia de onde seguir com o carro.
— Posso te oferecer uma sugestão?
— Deve.
— Praia! Sei que vai achar loucura eu te chamar pra ir na praia a essa hora, principalmente com essa chuva, mas eu conheço uma palhoça abandonada na praia de Boa Viagem e as vezes admirar o oceano me acalma, ainda que a noite. Você já está toda molhada mesmo e eu também, alguns pingos de chuva a mais em nossas roupas não mudará muita coisa.
— Sabe Mel? Eu sou louca o suficiente para aceitar esse convite. — falei dando a ré e seguindo o caminho mais próximo para o nosso destino. Continuei devaneando enquanto dirigia, a chuva de verão não parava de cair, meus olhos perderam o foco por um instante, e por muito pouco não perdi controle da direção. Eu não estava bem, minha cabeça estava quase explodindo, as lembranças da Clara embaralhavam todos os meus sentido, a estrada já não era segura para mim. Quando finalmente chegamos em nosso destino, pude respirar aliviada.
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2 - Colorindo uma vida de tons cinzas
RomanceEsse é um livro lésbico que trás a segunda temporada da história: Clara e Duda. Deixo meus grandes agradecimentos a Jullia Athayde, pois me presenteou com idéias incríveis para esse romance.