História do Halfling (Parte II)

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Sabe, pensar até que é uma coisa interessante para se fazer quando não se tem nenhum compromisso mais urgente, na verdade. Organiza o que você sabe e, às vezes, até te leva à saber mais, ou, pelo menos, à pensar que sabe mais. Você (é, você) (você mesmo) (sim, é de você que eu estou falando, idiota) deveria tentar, qualquer dia desses. Se duvidar, com um pouco de sorte, você até conseguiria deixar de ser um estereótipo.

Ainda não havia se passado uma hora inteira desde o almoço mais informativo da minha vida, e eu ainda estava tentando armazenar tanta informação, deitado naquela minha cama, da maneira que eu gosto de fazer depois das raras ocasiões em que como bem. Eu já havia descoberto como conseguir um daqueles folhetos que mostram quem vai tentar estripar quem e já tinha o meu em mãos, mas nem tentei decorar tantos nomes. Aliás, eu nem gostava de olhar muito para aquilo, pois só me lembrava ainda mais a quantidade de gente que iria morrer. Eu até havia tentado encontrar os nomes de Tales, Mateus, Maena, Natan e Angélica ali no meio, mas não tardei à desistir, pois só o que consegui foi reavivar minha certeza de que, na melhor das hipóteses, apenas um deles sobreviveria. A verdade é que eu não entendia perfeitamente o porquê de eles serem gentis uns para com os outros e também para comigo, afinal, eles provavelmente teriam que matar uns aos outros algum dia e, além do mais, ter amigos por ali só lhes daria mortes para chorar. Só pude concluir que aquilo era fruto da fraqueza que as pessoas têm de não conseguir ficar muito tempo sem amigos, mas eu estava disposto à superar tal fraqueza. Eu não estava disposto à chorar mortes de amigos, muito menos à causar tais mortes.

Uma coisa que eu percebi assim que pus os olhos naqueles cinco era que a verdade era justamente o contrário do que Meriadoc me dissera: ele não havia reunido os sessenta e quatro gladiadores mais impressionantes do mundo, mas, sim, os sessenta e quatro estereótipos mais comuns, para atrair à seus Sete Coliseus

pessoas que se identificassem com eles e pagassem para ir lá e torcer por eles. Adolescentes em crise pagariam para assistir Mateus lutar, feministas pagariam para torcer por Angélica, fisiculturistas e soldados dariam seu dinheiro para ver Tales, homens solteiros – e os que se arrependiam de não o ser – entregariam suas moedas para ver Maena lutar contra outras mulheres igual e ilegalmente loiras, e criancinhas curiosas que se interessam por coisas com tamanhos incomuns esvaziariam seus cofres de porquinho para ver à mim ou à Natan... e, no final das contas, Meriadoc teria vendido sua tiara por um preço, no mínimo, exorbitante. Muito esperto.

Alguns minutos atrás, quando eu finalmente chegara à meu quarto, seguindo as dicas que eles me deram (e, ainda assim, me perdendo muito e tendo que fazer perguntas à gentis desconhecidos), os restos queimados da casca da melancia ainda estavam ali, e tive que encontrar uma lixeira e pô- los nela eu mesmo. Isso me lembrou que fora com aquela melancia que Meriadoc comprara minha alma, e fez com que eu me perguntasse como ele teria comprado as dos outros. Teria ele dado conhecimento à Mateus? Músculos à Tales? Gizes de cêra à Natan? Anotei mentalmente para perguntar à eles, qualquer hora dessas.

Tirei de meu bolso e olhei para aqueles dois guardanapos riscados e aquele panfleto, e lembrei que, no fim das contas, depois daquela refeição, eu também acabara sendo útil para eles, pois, aparentemente, Meriadoc só havia detalhado para mim toda a história em torno das quatro partes da Coroa da Sabedoria – todos os outros sabiam que lutavam por uma parte dela, mas não s

abiam quantas era nem o que cada uma fazia nem quem as tinha forjado. Não foi muito difícil para mim deduzir que aquele maldito halfling, que me fazia ter vergonha de minha própria raça, havia revelado só um pouco de informação para cada um, obrigando quem quisesse saber mais à conversar com os outros, se tornar amigo destes e, então, um dia, chorar suas mortes, talvez sendo ele mesmo seu assassino. Sádico filho da...

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