História do Halfling (Parte III)

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"Aproveite cada dia de sua vida como se ele fosse o último, pois, um dia, você vai estar certo". Por incrível que pareça, nem mesmo estar em um lugar onde cada dia poderia ser o seu último te fazia te lembrar dessas palavras – quero dizer, a mania que as pessoas têm de viver a vida como se ela nunca fosse acabar era tão forte que, mesmo nos Sete Coliseus, todos (ou quase todos) viviam dias "normais", buscando sempre fazer coisas que gostavam, mas quase nunca fazendo nada super emocionante e inesquecível – até porque, as lutas pelos quais todos os atuais trinta e dois sobreviventes haviam passado tinham nos ensinado, com alto índice de eficácia, que situações emocionantes e inesquecíveis nem sempre são agradáveis. Boa parte dos gladiadores havia pago sua sobrevivência com dedos, mãos ou até braços, coisas que eles nunca se esqueceriam que haviam feito, mas que não tinham muita vontade de fazer de novo – à não ser, é claro, se fosse para comprar sua sobrevivência mais alguma vez, fosse agora, na segunda fase, ou nas outras que ainda estavam por vir. A maioria de nós tentava viver o mais calma e tranquilamente o possível, pois sabíamos que momentos de ação e emoção nos esperavam nos campos de batalha, infelizmente.

Creio eu que qualquer um teria, no dia no qual aconteceria a luta que poderia ceifar- lhe a vida, acordado o mais cedo o possível, e gastado cada um dos segundos que poderiam ser seus últimos com treinamento de última hora. Mas eles eram estereótipos. Acho que não preciso dizer que, naquele dia, me levantei da cama o mais tarde que me era conveniente, cedo suficiente apenas para poder almoçar minutos antes de meus adoráveis amigos entrarem naquela sala com a mesa onde comíamos falando sobre cabeças cortadas, tripas arrancadas e sangue derramado. Tive o azar de eles voltarem da luta da manhã, falando exatamente sobre esse tipo de coisa, antes de eu ter terminado de comer. Mas saibam vocês, crianças, que nós, adultos, temos um poder mágico especial, que nos permite aprender mais alguma coisa com tudo o que acontece ao nosso redor. Assim sendo, anotei mentalmente na mesma hora: se eu viver para acordar mais uma vez, vou acordar mais cedo.

Minha luta contra Mateus seria a do começo da tarde, nos obrigando à pular e correr e brigar com a barriga ainda cheia de almoço. Tive bom- senso o suficiente para não comer demais. Mateus, sem dúvida, nem pensou nesse tipo de coisa.

- Você comeu menos do que de costume, pequeno Paladin – disse Caio (cada um de meus amigos tinha um apelido diferente para mim... isso não ia dar muito certo, eu estava prevendo) – Tem certeza de que não irá precisar de toda a energia que estiver a seu alcance para a luta de daqui a pouco?

- Com certeza, eu precisaria – respondi, em meu tom habitual, sarcástico porém casual -, mas, de qualquer forma, se eu tivesse comido mais do que comi aqui, nem toda a comida teria ficado dentro de mim por tempo suficiente. Apesar de que também não estou dizendo que ela sairia de mim por onde ela costuma sair.

- Eu não tinha pensado nisso – disse Mateus, num tom que, por ser igualmente triste e alegre, acabou soando normal, por uma coisa neutralizar a outra.

- Mas é claro que não, você é idiota – chingar as pessoas é a maneira pela qual demonstro que gosto delas, e sei que não sou o único à fazê- lo.

- Olha só, o sujo reclamando do mal- lavado – disse Maena, lá da outra ponta da mesa, num tom de desprezo que contribuiu, e muito, para que ninguém risse de sua piada. Desde a noite anterior, ela havia se tornado minha inimiga, como os adolescentes costumam fazer uns com os outros, por motivos que nem eles sabem explicar direito. Quero dizer, eles conseguem justificar, separadamente, cada uma de suas inimizades, mas nem eles sabem qual é a vantagem, na média e em geral, de se ter inimigos.

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