História do Halfling (Parte VII)

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Chegar até meu quarto nunca foi tão difícil. Andei em círculos durante vários minutos, encontrei todos os becos sem saída de Nkazón e, uma vez, quase cheguei sem querer até Aéros. Eu tentava me concentrar em ver para onde eu estava indo, mas meu cérebro parecia estar completamente nocauteado, incapaz de fazer qualquer coisa além de manter minha boca levemente aberta, deixar meus olhos com uma expressão distante e me mandar caminhar aleatoriamente. A ficha simplesmente não caía, a informação simplesmente não era digerida. Eu me negava a acreditar que todos os meus amigos estavam mortos, por mais que eu costumasse sempre preferir a verdade dura à mentira suave. Vários amigos meus já haviam morrido antes, mas costumava sempre haver mais alguns, não importava quantos morressem... mas, agora, estavam todos mortos, as duas últimas haviam acabado de morrer, e isso fazia toda a diferença do mundo. Eu não chorava, porque a minha cabeça não estava funcionando nem para isto. Eu não sabia mais o que fazer da minha vida...

...até porque, Meriadoc ainda não havia se pronunciado sobre as peças que faltavam à sua máquina da morte. Se o torneio tivesse corrido normalmente, o vencedor da luta entre eu e Namalkah enfrentaria Hera nas semifinais, enquanto que a vencedora dentre Maena e Laura enfrentaria a famosa Daniela... mas Daniela não tinha quem enfrentar, e o torneio não poderia mais funcionar se as coisas fossem assim. As semifinais começariam com apenas três gladiadores vivos, e quatro eram precisos. Será que Meriadoc transformaria minha luta contra Namalkah numa das semifinais, enquanto que Daniela e Hera lutariam na outra? Ou será que o último desejo de Maena e Laura de fato se cumpriria, e estávamos finalmente livres? Bem, só de pensar na ideia de Meriadoc nos libertando, eu já tinha vontade de rir, mas, em todo caso...

Hey, o que é que aquela banheira estava fazendo ali? Porque é que eu havia vindo parar num lugar que tinha uma banheira? Eu me perdera de novo? Bem, eu já estava acostumado, e desgraça pouca é bobagem... Heeey, espera, eu me lembro de um lugar com uma banheira!... Ah, não, eu estou pensando sobre os banheiros, e aqui não parece ser um banheiro, então não deve ser... mas não tinha um outro lugar que tinha uma banheira, além dos banheiros? Pois é, eu acho que tinha... mas é claro! Eu estava no quarto de Maena!

De Maena, pensei, sarcasticamente, enquanto eu saía daquele quarto e finalmente chegava até o meu, três portas à esquerda. Segundo todas as leis decentes do mundo, mortos não têm posses. Não existem mais a banheira "de Maena" ou o quarto "de Maena" ou os quartos "dos outros". Nenhum deles possui mais nada. Estão todos mortos. Dos sessenta e quatro, apenas quatro estão vivos. E, como nenhum deles é um elfo ou um deus, todos morrerão algum dia.

Quando entrei em meu quarto, logo reparei que havia algo de levemente diferente e incomum ali, mas demorei alguns segundos até reparar no pontinho azul- escuro em cima de minha cama. Sem pressa nem curiosidade, fui ali ver, o que era, mais por não ter o que fazer do que por qualquer outra coisa. Constatei que era uma carta, sem nada escrito no envelope de papel azul- escuro. Peguei- a e abri- a sem pressa nenhuma, pois o que estava ali dentro não me interessava muito. Meu cérebro estava recém começando a se religar, e eu ainda estava pensando muito pouco...

Depois de eu-realmente-não-faço-ideia-de-quanto-tempo, a carta de alguma maneira estava finalmente aberta.

O sacrifício daquelas duas idiotas foi inútil. O torneio não vai parar enquanto não sobrar apenas um. Não vou perder a arrecadação de uma grande final de maneira alguma. E isso é tudo o que vocês, gladiadores, precisam saber.

Eu já deveria ter deduzido, pensei, talvez finalmente racional o suficiente para não andar em círculos ou ir para becos sem saída. Bem, eu estava sozinho, tinha a metade da altura, da força e da velocidade de uma pessoa normal e, ainda por cima, não dispunha de tempo o suficiente, então, tentar fugir agora já deixava de ser uma opção. Caso eu sobrevivesse hoje, eu poderia tentar amanhã, quando minha luta seria só no final da tarde e eu teria tempo de sobra, mas, por agora, era hora de me preparar para vingar Tales e Alessandra. Namalkah me esperava, sentado nos cadáveres de Laura e Maena.

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