All Good Things

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No fim da tarde, depois de passar parte do dia jogando com Albus no sofá e a outra parte transportando caixas com suas coisas da garagem até o apartamento, Lily decidiu sair de casa. Havia visto no dia anterior quando passou de carro um parque perto do prédio onde Albus morava. Onde ela morava, precisava lembrar a si mesma. Era tudo tão recente e novo que ainda não estava acostumada.

Caminhou sem pressa até o parque ouvindo Coldplay nos fones de ouvido.

Não era um daqueles dias particularmente ensolarados, mas, ao menos, não chovia. De qualquer forma, Lily não se importava. O céu nublado, as nuvens escuras, o vento suave, embora frio, a agradavam mais do que o clima quente. E, ainda com a temperatura relativamente baixa, outras pessoas passeavam no parque. Talvez, do mesmo modo como ela gostava do tempo fechado, outros também o apreciavam.

Sentou em um banco, de frente para um playground quase vazio exceto por duas crianças que competiam para ver quem ia mais alto nos balanços, e tirou seu caderno de desenho da mochila. Por uns segundos, apenas o segurou nas mãos, admirando-o. Cada espaço da capa dura estava tomado por desenhos aleatórios e rabiscos que se completavam em perfeita harmonia.

Dominique havia enviado o presente de Paris no seu último aniversário junto com um modelo exclusivo da coleção de outono de Victoire. E, mesmo se perguntando em que ocasião usaria um vestido tão chique, adorou os presentes.

O seu caderno de desenho era o equivalente a um diário. Colocava seus pensamentos, a sua alma nele. Não através de palavras e sim, desenhos. Era a sua essência. Íntimo demais para permitir que alguém o visse. Ele era, quase literalmente, a sua própria vida.

Cruzou as pernas para apoiar o caderno e folheou-o até parar no último desenho feito. Era uma fanart de um dos seus livros favoritos onde um Guerreiro Elfo enfrentava vários Orcs no meio de uma clareira. Gostou bastante dos traços dos orcs. Feios, repugnantes, como deveriam ser. Mas, por mais que se esforçasse, nunca ficava completamente satisfeita com os elfos. Nunca conseguia retratar a altivez deles.

Era tão frustrante.

Todavia, o desenho ainda estava incompleto e ela pretendia terminar de uma vez. Pegou o lápis entre os dedos e tentou continuar do ponto em que havia parado.

Mas, confusa e surpresa, percebeu que não conseguia.

Por mais que olhasse para a esguia e nobre criatura mística incompleta, não conseguia prosseguir. Era como se estivesse com bloqueio e, entretanto, sentia-se bastante inspirada.

Suspirou. Às vezes aquilo acontecia quando tinha outro desenho na cabeça.

Passou a página e se viu olhando para uma em branco. Guiada por uma espécie de instinto que ela já estava familiarizada, começou a esboçar alguns traços leves no papel alvo. Aos poucos uma imagem ia se formando.

No primeiro momento imaginou que fosse o personagem de um livro de fantasia, mas, conforme os minutos corriam e o desenho ficava mais nítido, percebeu que estava desenhando Scorpius. Ficou impressionada com a riqueza de detalhes. Ela havia conseguido retratar a arrogância nos olhos dele, a linha rígida da sua boca, o cabelo desarrumado de quem acabou de acordar. Desenhou-o sem camisa, como o havia visto naquela manhã. A barra da cueca visível, a calça folgada. Não imaginou que tivesse reparado nele tanto assim em apenas dois encontros rápidos. E, no entanto, tinha a vaga impressão que faltava vários detalhes, algo óbvio, embora não conseguisse se lembrar.

Estava escurecendo quando finalizou a sua obra. Gostou do resultado. Já havia desenhado personagens arrogantes antes. Vários. Vilões, cavaleiros das trevas, nephilins. Eram os que mais gostava. Mas se fosse comparar com algum deles, Scorpius se pareceria com um príncipe elfíco, presunçoso, cheio de si. Um pouco perigoso. Não um vilão, mas como se fosse melhor do que todos os outros — como se não se importasse com mais ninguém ao seu redor.

InstintosWhere stories live. Discover now