Rock City

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Scorpius acordou vinte e três minutos antes do despertador tocar. As cortinas haviam ficado abertas na noite anterior e seu humor estava refletido no céu cinza e nublado de Londres.

Levantou-se para tomar banho. E não demorou muito. Ao sair do boxe com a toalha enrolada na cintura, mirou por um instante seu reflexo no espelho parcialmente embaçado do banheiro e coçou a barba rala. O cansaço da noite mal dormida estava estampado na sua cara. Teria dado o seu carro por uma noite de sono completo.

Precisava de um copo grande café e um cigarro se quisesse manter-se acordado durante a prova de cálculos que teria logo nos primeiros tempos.
O apartamento que dividia com o amigo estava silêncioso. Não era um flat muito grande, mas localizava-se em um dos melhores bairros de Londres. Albus ainda estava dormindo e, como sempre acontecia nas segundas-feiras, chegaria atrasado no campus.

Atravessou a sala até a cozinha onde algumas garrafas de cerveja e os restos de uma pizza ainda estavam em cima da pia. A geladeira vazia parecia deprimente e Scorpius fez uma nota mental de passar no supermercado no fim do dia, mesmo sabendo que na metade do caminho já teria esquecido o lembrete. Quase sorriu ao lembrar o que a última garota que ele trouxera para casa havia dito, com um genuína expressão de incredulidade no rosto, ao abrir a geladeira:

"Por acaso vocês fazem fotossíntese ou o quê?"

Havia uma divisão de tarefas entre ele e Albus, mas entre a correria de ir para a faculdade e as noitadas nos clubs, eles frequentemente esqueciam-se de suas obrigações, embora as cervejas nunca faltassem e já houvessem decorado o número da pizzaria.

Não se deu ao trabalho de jogar fora o lixo, pois a diarista faria o serviço quando aparecesse no meio da manhã.

Teria que passar na sua lanchonete preferida que ficava no caminho para a faculdade onde flertaria com a garçonete bonitinha enquanto esperava o expresso duplo de costume.

Não era uma vida ruim. Tinha desejado por toda a adolescência se ver livre dos seus pais e, principalmente, do seu avô, Lucius Malfoy com todas as suas regras estúpidas. A mansão dos Malfoy era gigante com seus inúmeros quartos e salas, mas sempre lhe parecera mais uma prisão do que um lar. Mudar-se para Londres fora a decisão mais fácil que havia tomado. Sua válvula de escape. Agora ele sentia que era dono da própria vida. Não devia satisfação a ninguém e estava mais do que satisfeito assim.

E não mudaria absolutamente nada.

Já estava com as chaves do carro na mão quando Albus saiu apressado do quarto, meio vestido, os sapatos na mão e a camisa social branca aberta.

— Você precisa mesmo aprender a usar o despertador. — Scorpius comentou, uma ponta de deboche na voz.

— Eu usei. Mas depois fechei os olhos por cinco minutos.

Scorpius riu e encaminhou-se para a porta. Albus não precisava de carona, afinal tinha o seu próprio carro. Antes, porém, que pudesse colocar a mão na maçaneta, o amigo chamou-o:

— Hm, Scorpius, o que você acha de Lily vir para Londres?

— Passar um final de semana? — Perguntou, sem interesse. Não importava-se com as viagens da irmã mais nova de Albus e não entendia porque ele precisava da sua opinião a respeito disso dessa vez. Não era da sua conta.

— Na verdade ela pretende se mudar. — ele disse em um tom leve demais que Scorpius logo desconfiou.

— E onde ela vai ficar?

Albus não precisava responder para que Scorpius soubesse onde aquela conversa aparentemente casual iria terminar. Ainda assim, supreendeu-se ao ouvir a palavra monossilábica sair da boca do amigo.

— Aqui.

Encarou Albus procurando algum sinal de que fosse uma brincadeira, caso não soubesse que ele raramente fazia alguma piada. No mesmo instante, não gostou nada da ideia. Não conhecia a Potter mais nova, mas sabia que qualquer garota que mantivesse residência permanente ali iria roubar todo a liberdade que ele havia suado para conquistar ao sair da casa dos pais.

Levou alguns segundos para digerir completamente a informação e, em seguida, reagir:

— Ficou maluco? Quer trazer sua irmã pra morar com a gente?

— Qual é? — Albus tentou parecer descontraído enquanto calçava os sapatos. — Uma presença feminina vai fazer bem pra esse lugar.

— Já temos muitas presenças femininas aqui, você não acha?

— Eu estou falando de uma que não esteja interessada em conhecer o seu pau. — Albus falou, sarcástico.

— E eu estou falando que isso não vai dar certo. — Scorpius rebateu. — Onde ela vai dormir? Na sala?

Albus deu de ombros e começou a fechar os botões da camisa.

— Tem um quarto sobrando.

— É um escritório. — Scorpius lembrou.

— Não precisamos de um escritório. — Albus retrucou. — Só falta uma cama para virar um quarto.

Não entendia como ele podia falar daquele tão despreocupado como se fosse trazer um gato para morar com eles. Passou a mão no cabelo, desarrumando-o completamente, quase desesperado.

— Não é só uma cama. É a sua irmã e toda a bagagem dela!

Albus abriu a torneira da pia e enxeu um copo com água. Aquilo estava irritando mais ainda Scorpius. Ainda de costas, evitando o olhar hostil dele, disse:

— Ela vai para a faculdade de Artes e meus pais me fizeram prometer que eu ficaria de olho nela.

Scorpius passou a mão no rosto e respirou fundo e, mesmo que não precisasse de uma resposta, perguntou para confirmar suas suspeitas:

— Você já falou que ela podia ficar aqui, não é?

— Ela chega no próximo sábado. — Albus anunciou e virou-se com um sorriso vitorioso. — Seja bonzinho.

Scorpius teve vontade de esganá-lo. Albus havia tomado uma decisão sem consutá-lo antes como se ele nem morasse ali também. Não gostou nada da ideia, mas já era tarde demais para mudar alguma coisa. O que ele poderia fazer? O apartamento não era apenas dele, Albus tinha lá os seus direitos. Estava de mãos atadas. Em menos de uma semana eles teriam uma nova inquilina sob o mesmo teto.

Maravilha!

Ele lançou um olhar mordaz para Albus e avisou em um tom frio e ríspido:

— Não vou mudar minha rotina só porque sua irmãzinha veio morar com a gente, entendeu?

Não esperou por uma resposta. Abriu a porta e bateu um pouco mais forte do que necessário ao passar.

Queria acreditar que nada mudaria. Uma pessoa a mais dividindo a casa não seria uma catástrofe tão grande assim. Tentou convencer-se disso. E, no entanto, não conseguia tirar da cabeça que as coisas não seriam mais a mesmas a partir do dia em que Lilían Luna Potter pisasse os seus pés no apartamento dele.

Dentro do carro, olhando as ruas cheias através dos óculos escuro, pensou que a melhor forma de se livrar de alguém indesejado, era ignorar completamente a existência da pessoa. Sorriu com o cigarro nos lábios. Era fácil na teoria e seria ainda mais fácil na prática.

InstintosWhere stories live. Discover now