Os namorados Oliver e Eloise se encontram no meio de uma trama de misteriosos sonhos envolvendo o número vinte e três. Ao tentarem descobrir o motivo pelo qual os sonhos, aparentemente desconexos e inexplicáveis, estão os perturbando, eles descobrem...
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A Igreja de San Diego segue o mesmo padrão de arquitetura de todas as construções da cidade: cinza e pontuda. Hill Course é um ponto minúsculo no sul do país, uma cidade tão pequena que é quase preciso uma lupa para enxergá-la num mapa em papel, se é que alguém ainda os usem. Com pouco mais de quarenta mil habitantes, uma típica cidade de interior, como se criada e pensada nos mínimos detalhes para fazer parte de uma história de ficção. Fundada por ingleses na segunda metade do século XVII, alguns anos depois de terem invadido o Brasil, Hill Course respira um ar diferente do resto do mundo. De alguma forma, parece que o tempo esqueceu de passar por aqui. Não que a cidade seja atrasada em relação as mudanças da vida moderna e os avanços inevitáveis do mundo, mas é como se aqui as pessoas conseguissem enxergar as pequenas coisas, tornando-as mais especiais que em qualquer outro lugar. E fazer parte de algo especial, nos torna especiais.
Traduzindo cruamente, Hill Course quer dizer Monte Claro. Os mais velhos dizem que o nome se dar ao fato da cidade ser praticamente uma colina, um monte alto. E durante os crepúsculos e alvoradas, Hill Course é um dos primeiros e últimos lugares a se iluminar com a luz do Sol. Um monte claro.
Cumprindo mais um dia da rotineira temperatura, o termômetro eletrônico no meio da praça central marca quase zero graus. O clima mais óbvio para um velório. A cidade magicamente sente a morte de alguém e esfria-se.
Todos na igreja estavam agasalhados dos pés à cabeça, tentando se proteger do frio sombrio que parecia querer dominar o mundo. O preto do luto nas roupas me fizeram lembrar dos pássaros pretos que saíram dos tiros no peito do Oliver, em meu sonho.
Ele não quis vir. Oliver criou um trauma de caixões desde que viu a mãe dentro de um, quando tinha oito anos. Quase senti a tristeza e uma ponta do medo em seus olhos quando Alexandra contou sobre a morte do irmão. O caminho de volta para casa foi corrido em silêncio. Eu sei que ele estava contendo as lágrimas, por vergonha de que eu as visse. Eu queria dizer que não tinha problema, que estava tudo bem, mas deixei o silêncio reflexivo ocupar seu espaço. Ainda não havia experimentado, de fato, a dor de perder alguém tão próximo quanto Thomás era da Alexandra ou o Oliver de sua mãe, mas a terrível percepção de que nada dura tanto me faz admirar ainda mais a beleza cruel do tempo que passa.
***
Meu irmão foi mais uma pessoa que arriscou-se a experimentar apenas uma vez, acreditando ser forte e dono de si o suficiente para que pudesse parar quando bem entendesse. Primeiro aproximou-se, com cuidado, da heroína; o começo. Depois, caiu no crack, o buraco negro que o destruiu para sempre; o fim. Entre os dois pontos que acabaram com sua existência, o meio foi marcado por suas passagens e fugas da clínica de reabilitação, no Vale de Hill Course, onde minha mãe, deliberadamente, desistiu de tentar ajudá-lo. Desistiu da gente.
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